A Europa e o ténis, combinação explosiva no labirinto das apostas

Tem vindo a intensificar-se o combate à viciação de resultados, um fenómeno que ganhou uma nova dimensão com o impulso da Internet. O PÚBLICO faz um retrato de um problema que é global e que “não se resolve com slogans vazios”.

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Eduardo Munoz/Reuters

Um problema global num mundo globalizado. A corrupção no desporto, e em particular a manipulação de resultados na esfera das apostas, varre o globo de forma transversal, colhendo Portugal no meio do caminho. É este o diagnóstico traçado pelos reguladores, que continuam a apontar as modalidades de prática individual como o Eldorado para os apostadores que optam por contornar as regras. Sim, é verdade que o futebol nacional tem dado indicadores preocupantes, especialmente olhando para o passado recente da II Liga. Mas é o ténis que domina largamente este negócio de milhões.

Se a corrupção no desporto, no sentido lato, é um fenómeno de longa data, os bastidores das apostas via Internet só começaram a gerar sérias preocupações no actual milénio. E o número de transacções suspeitas neste mercado legalizado tem crescido nos últimos anos, como comprova o relatório da ESSA, organização sem fins lucrativos que tem como missão assegurar a integridade das apostas desportivas. Vamos a números: em 2012, foram seis os casos que fizeram soar os alarmes, valor que subiu para 30 no ano seguinte e para 130 em 2016, data do último estudo.

Face a 2015, a subida foi de 30%, um crescimento que traduz também um combate mais abrangente ao fenómeno, que resulta de um aumento do número de membros da ESSA (são 25 actualmente, incluindo os gigantes das casas de apostas) e também dos acordos de partilha de informação assinados com outras entidades. Importante para esta missão tem sido também o contributo do Conselho Europeu e da sua Convenção sobre a Manipulação das Competições Desportivas, um “guia” para a cooperação conjunta que envolve Estados e autoridades nos domínios do desporto, do jogo, do cibercrime, da lavagem de dinheiro e da lei criminal.

Este muro que se tenta erguer entre os manipuladores e os “alvos”, para salvaguardar a integridade do desporto, está a ser construído muito lentamente, porém. Pelo menos no entender de Francesco Baranca, director da Federbet, organização sediada em Bruxelas e que procura defender os interesses dos operadores e dos consumidores no sector das apostas: “Tem havido muitas declarações, muitas palavras, mas poucos esforços concretos. Até 2015, falar sobre viciação de resultados era uma espécie de ‘blasfémia’”, lamenta, em declarações ao PÚBLICO. “Precisamos de uma prevenção forte, que envolva os clubes e as Ligas, porque não é com slogans vazios que se resolve o problema”.

Oito trimestres no topo

Para já, tem sido o ténis o maior foco de preocupação das autoridades, surgindo a Unidade de Integridade no Ténis como um aliado de peso neste combate. Basta ver que dos 130 alertas de apostas suspeitas detectados no ano passado, 103 dizem respeito a decisões tomadas dentro dos courts. Um dado que facilmente se explica pela natureza individual da modalidade, realidade que facilita a “logística” da manipulação do desfecho das partidas. “Os alertas relativos a este desporto têm dominado as estatísticas da ESSA nos últimos oito trimestres”, regista Mike O’Kane, presidente da organização.

Do ponto de vista geográfico, é a Europa que gera mais dores de cabeça, como palco dos eventos debaixo da mira dos apostadores, colhendo 55% das suspeitas (ver infografia em cima). E o maior fluxo de apostas tem origem na Ásia, tornando mais melindrosa a tarefa de rastrear e identificar a sua origem exacta.

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“Este problema é global e nenhum país pode sentir-se seguro”, reforça Francesco Baranca, insistindo que “os três últimos anos têm sido problemáticos para a II Liga portuguesa”, esteja em causa a viciação de resultados para efeitos de puro lucro financeiro ou para facilitar a obtenção de uma meta desportiva, a maior parte das vezes a manutenção de uma das equipas.

O PÚBLICO contactou também o Sportradar, organismo internacional que também monitoriza as apostas e opera em linha com entidades como a UEFA e a FIBA, mas os responsáveis remeteram uma resposta sobre o tema para a conferência Football Talks, que terá lugar no Estoril, em Março, e de cujo elenco fazem parte.

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De resto, a percepção que os agentes têm da influência externa no desfecho dos jogos também tem servido para sentir o pulso ao fenómeno. Um inquérito levado a cabo em 2016 pela Transparência Internacional (TI), em colaboração com a Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), concluiu que o sentimento do sector é de que oito em cada 100 árbitros já se viram envolvidos num esquema de viciação de resultados, uma decisão tomada essencialmente por dificuldades financeiras. No estudo intitulado Global Corruption Report, esta percepção agrava-se quando se salta para o domínio dos adeptos.

Denominador comum entre os reguladores e as autoridades é a urgência de concertar esforços para ir derrubando os principais obstáculos. A este respeito, o diagnóstico feito há dois meses pelo director do Serviço Central de Corridas e Jogos da Polícia Judiciária (PJ) francesa, Philippe Ménard, será praticamente transversal: “As nossas principais dificuldades passam por identificar a fonte e encontrar o apostador, porque as apostas são feitas a partir do estrangeiro. Depois, é difícil ultrapassar a cultura de secretismo que existe no mundo do desporto”.     

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