Mónica Calle, a voz resistente

Foto

Tchéckov visto por Mónica Calle foi sempre um autor contemporâneo. Agora é apenas um pretexto para voltar a falar do que sempre quis: "o que vale a pena dizer?"

A última vez que Mónica Calle esteve num palco que não o seu, o da Casa Conveniente, no Cais do Sodré em Lisboa, foi em 2005, na Culturgest, para apresentar "Julieta: cartas fragmentárias a um amor perdido", variação a partir de "Romeu e Julieta". A encenadora - a que resistiu de uma geração que ia mudar o teatro que se fazia em Portugal nos anos 90 - foi a primeira a reconhecer que o resultado ficara aquém do que pretendia. Demorou estes anos todos, e outras tantas peças "microscópicas", como lhe chama, para encontrar as bases que lhe permitissem enfrentar uma máquina teatral que lhe fugisse ao controlo. O alibi é um dos seus autores de eleição, Tchéckov, de quem já tinha feito "As Três Irmãs" (2003). Agora mostra "O Ginjal", ao qual acrescentou "ou o sonho das cerejas" como a "As Três Irmãs" já perguntara "que importância é que isto tem?". Mas é a primeira vez, "dezassete anos depois" de ter começado, que tem condições "para pegar numa peça do princípio ao fim, com um elenco maior". "Dezassete anos depois". 

As dificuldades com que tem trabalhado são a força de resistência que lhe permitem dialogar, de igual para igual, com uma máquina pesada como é a de um teatro que não tem problemas de inundação, nem prostitutas como vizinhas, e menos ainda a concorrência dos bares. "Foi um desafio, mas tem dificuldades imensas. Trabalhando eu numa escala tão microscópica, há coisas que, com este volume, dificilmente consegues fazer e vais para outro sítio".

"O Ginjal" já tinha sido alvo de atenção de Calle, numa versão intimista - e poética - apresentada no Teatro da Politécnica em 2007, onde os espectadores eram convidados a sentar-se à mesa com os actores para, com eles, lerem o texto, ou só ouvi-lo mas, e sobretudo, estarem na sua presença. Essa característica - a presença - é fundamental no percurso e discurso de Calle. Os textos que chama a si têm poucas certezas sobre a vida: "Esta é uma peça com momentos raros de afirmação, as personagens dizem muito pouco, e é uma peça onde aquilo que se diz é menos importante do que aquilo que acontece".

O que espera, "durante as próprias apresentações", é encontrar um espaço de diálogo. "Não é para responder que faço estas peças, é para continuar a perguntar." O processo foi "um diálogo, onde a dificuldade maior esteve no desajuste entre o conceito e a sua concretização". Nunca estará resolvido. "Cada encenação é uma leitura, nunca é uma afirmação determinista".

O regresso de Calle ao Festival de Almada tem outra geneologia, também ela poética: Calle foi, em 2001, com uma primeira versão de "A Loucura da Normalidade", de Lars Noren, a primeira a pisar o terreno que, anos mais tarde, iria ser ocupado pelo Teatro Municipal de Almada. Hoje, no Maria Matos, a terra e a água, as lâmpadas envoltas em papel crepe negro, as roupas desfiadas e as vozes a imporem-se por cima dos barulhos da rua só parecerão memória distantes se não se quiser ver o teatro desta mulher para lá da aparência. "As peças nunca estão fechadas e, quando as fazemos, fazemos para que as pessoas dialoguem connosco e partilhem algo".

O Ginjal ou o sonho das cerejas

Maria Matos, de 1 a 11 de Julho às 21h30 e dia 30 de Julho no Fórum Romeu Correia, em Almada.

Sugerir correcção
Comentar