Mais cultura, menos ministério

A cultura nas mãos do Estado é irremediavelmente regressiva e um obstáculo à criatividade e inovação.

Ao contrário da vasta maioria dos meus colegas das artes a ideia de um Ministério da Cultura nunca me entusiasmou. Por razões bastante evidentes. Desde logo, porque a cultura do ponto de vista da política é invariavelmente populista e conservadora. Para o governo, qualquer governo, o Ministério da Cultura tende a ser uma espécie de relações públicas, com um Ministro em constantes inaugurações, salamaleques, elogios aos criadores, grandes discursos sobre a portugalidade e outras banalidades de base. No mesmo plano, as inevitáveis ingerências na produção cultural, umas diretas por escolha, outras indiretas por via dos apoios e subsídios, raramente se destacam da mediania, do gosto corrente, do já adquirido, reforçando assim o conservadorismo cultural. A cultura nas mãos do Estado é irremediavelmente regressiva e um obstáculo à criatividade e inovação.

Por outro lado, dedicado à absorvente gestão das múltiplas clientelas, um Ministro da Cultura tem pouco tempo para as reformas de fundo. Tanto mais que neste sector qualquer pequena mexida levanta altas e grossas vozes que assustam qualquer um. Basta olhar para os tantos ministros que passaram pelo cargo nas últimas décadas e a parca obra reformista que deixaram. E quando o fizeram não foi para libertar a cultura e a energia criativa independente dos cidadãos mas precisamente para dar mais peso ao funcionalismo, nessa crescente multidão de organizadores, gestores, curadores e tanta gente que não produzindo cultura a dominam quase por completo. Em consequência, o grosso da verba governamental da cultura vai para a própria máquina e para os funcionários da cultura. Não vai certamente para os criadores como se imagina.

O governo deve seguir uma política que permita aos cidadãos usufruir do conhecimento que a cultura proporciona. Para isso, ter ou não ter Ministério é indiferente. Trata-se no fundo de promover a educação por meios não-convencionais. Num tempo em que o saber se adquire mais por essa via do que pelo ensino convencional isso é importante. Nesse sentido, compete ao Estado preservar o património, garantir equipamentos de vária natureza, promover o acesso a todos. Mas definitivamente não compete produzir cultura, estabelecer critérios de qualidade, escolher criadores. Ora, por muito que os discursos digam o contrário, é precisamente isso que se passa com um Ministério da Cultura. Qualquer que seja o Ministro.

Há muito que defendo para a cultura um sistema similar ao que acontece na ciência e que tem permitido o seu extraordinário desenvolvimento. A inovação em ciência assenta em grande medida na chamada “peer review”, ou seja, na avaliação pelos pares. Avaliação essa que é feita de forma aleatória e anónima, eliminando portanto o discricionarismo, os amiguismos e interesses. Não tenho dúvida que a aplicação deste processo à cultura desencadearia uma explosão criativa. Mas, convenhamos, não será para breve.

Artista plástico

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