A porcelana chinesa feita há séculos para Portugal está de volta a casa

O mercado da arte está em queda na China, mas continua o interesse pela porcelana para exportação, que os portugueses foram os primeiros a encomendar. A TEFAF, a mais importante feira de arte e antiguidades do mundo, abre esta sexta-feira.

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Pagode de oito pisos com quase um metro de altura, feito em porcelana da China azul e branca, final do século XVIII ou início do XIX DR
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Albarelo, um pote de farmácia, família verde (1662-1722) DR
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Biombo pintado, do período Qianlong (1736-1795), com inscrições em português DR

A palavra portuguesa “pagode”, que foi adoptada noutras línguas, é um nome genérico para templo asiático, especialmente do budismo e do bramanismo. “Pagode” é também sinónimo de “pândega”, mas o mais relevante é mesmo ter-se tornado símbolo global do oriente e do exotismo. Um pagode de oito pisos com quase um metro de altura, feito em porcelana da China azul e branca, é um dos destaques do stand dos antiquários Jorge Welsh e Luísa Vinhais e também da feira TEFAF, a decorrer em Maastricht, na Holanda, entre 11 e 20 de Março, considerada a mais importante feira de arte e antiguidades.

Vindo de uma colecção particular europeia, é uma peça decorativa produzida na China no final do século XVIII ou no início do século XIX. “Das peças extraordinárias da porcelana chinesa para exportação, os pagodes são talvez as mais emblemáticas e raras. Com esta altura de quase um metro, os pagodes fazem-se apenas neste período e conhecem-se em todo o mundo cerca de dez ou 12. Os azuis e brancos são mais raros do que os da família rosa. Existe um semelhante no Rijksmuseum, em Amesterdão”, explica ao PÚBLICO o antiquário Jorge Welsh, que tem loja aberta em Lisboa e Londres e faz parte do comité executivo da TEFAF. O preço prefere não revelar, mas ultrapassa os cem mil euros.

Outra peça “rara e intrigante”, escrevem os antiquários no comunicado de imprensa sobre a sua presença na feira, é um biombo com três folhas, do período Qianlong (1736-1795). Trata-se, na verdade, de uma tela em três painéis pintada a óleo, técnica introduzida pelos jesuítas na China durante o século XVI. O biombo foi feito para o mercado português, como mostram as três inscrições em língua portuguesa que encimam as cenas: o imperador e as corridas de cavalos, dois mandarins e uma cena de caça e ainda a comédia a propósito da tradicional dança do leão.

Esta peça, continua o comunicado, é comparável a dois biombos realizados em Macau por volta de 1708, pintados com os reis portugueses da primeira dinastia, juntamente com as guerras da Restauração, pertencentes ao Museu Nacional de Arte Antiga.

Para Jorge Welsh, a feira de Maastricht, diz nesta conversa ao telefone ainda a partir de Londres, é o acontecimento do ano no mercado das antiguidades e da arte, com os seus cerca de 275 expositores: “Não há nenhuma com requisitos de peritagem tão rigorosos. São 11 dias com cerca de mil representantes de 250 museus, 11 dias em que temos acesso aos melhores coleccionadores.”

Além das vendas, fazem-se muitos contactos, como aquele que resultou numa exposição no Metropolitan Museum, de Nova Iorque, a inaugurar em Abril, com um catálogo editado pela Jorge Welsh Research & Publishing, que tem uma equipa de investigação residente e autores independentes. Intitulada Global by Design: Chinese Ceramics from the R. Albuquerque Collection, a exposição mostra pela primeira vez a colecção de porcelana da China para exportação deste brasileiro que só quer ser identificado pelo apelido. Tudo começou num jantar que misturou coleccionadores, directores de museus e antiquários na TEFAF: “Na feira há uma concentração de grandes compradores com muitos conhecimentos.”

Uma das peças que o antiquário Luís Alegria, com loja no Porto, leva à feira, é um albarelo, um pote de farmácia, de família verde (1662-1722), à venda por 45 mil euros, “super, super raro”, afirma ao telefone desde Maastricht, atarefado com a montagem do stand. “Fizeram-se muitos em faiança, tanto em Itália como em Espanha ou Portugal, mas não em porcelana da China. Em 36 anos de actividade, é o segundo que tenho. Vendi um em Portugal azul e branco e este, de família verde, foi-me dado por uma família belga para vender.” De facto, na primeira metade do século XVII fizeram-se albarelos em porcelana azul e branca com o nome dos produtos inscritos, mas, como eram peças que estavam a uso, partiam-se com facilidade. 

A razão por que os dois antiquários portugueses destacam a porcelana chinesa, embora tenham outras coisas no stand, é simples, segundo Luís Alegria, que faz esta feira há 21 anos e é o decano nacional em Maastricht: “É a nossa especialidade.”

“Portugal tem uma tradição muito grande em porcelana chinesa. Foi o primeiro país a trazer porcelana da China para a Europa, a fazer encomendas na China. Somos muito fortes nisso.”

Luís Alegria diz que temos “mobiliário fantástico” e “pratas extraordinárias”, mas com “a porcelana chinesa a cotação é mundial”. “Como no passado as encomendas dos vários países eram muito parecidas, o gosto dos coleccionadores é semelhante”, mesmo que as nacionalidades sejam diferentes.

Mercado em queda

Este ano a TEFAF vai, pela primeira vez, internacionalizar-se, à imagem do que está a acontecer com as feiras de arte contemporânea. Criou dois eventos em Nova Iorque, um em Outubro dedicado à arte antiga, e outro em Maio para a arte moderna e contemporânea e o design. Ambos são pequenas réplicas da feira de Maastricht, com 85 stands, e terão lugar no Park Avenue Armory, escreve o jornal especializado The Art Newspaper.

Segundo um dos relatórios de referência sobre o mercado da arte mundial, que todos os anos é apresentado na TEFAF, este é um passo mais do que justificado, uma vez que os EUA são os líderes do mercado mundial com 43% das vendas em 2015, um aumento de quatro por cento face a 2014.

O relatório elaborado por Clare McAndrew, que será apresentado esta sexta-feira e a que o PÚBLICO teve acesso, revela também que no ano passado as vendas globais caíram 7%, passando de 68,2 para 63,8 mil milhões. O relatório destaca que em 2014 se atingiu um pico de vendas. "Este foi o primeiro ano de declínio desde 2011, e o arrefecimento surge depois de uma rápida expansão em alguns sectores", nomeadamente na China, "sendo inevitável algum abrandamento" depois de cinco anos de crescimento.

De facto, o segundo lugar no ranking passou a ser ocupado pelo Reino Unido, com uma quota de 21%, que ultrapassou a China (19%). O mercado chinês assistiu a "uma queda significativa" (23%), enquanto os britânicos se ficaram por um recuo de 9%. Segundo o relatório, a Europa permaneceu estagnada.

As vendas privadas feitas pelos antiquários e outros agentes são responsáveis por 53% do mercado, os leilões pelos remanescentes 47%. O sector com mais vendas nos leilões foi a arte do pós-Guerra e a arte contemporânea, com 46% do mercado.

O relatório destaca ainda que, apesar da queda no mercado chinês, o sector das artes decorativas e antiguidades cresceu 6% nas vendas em leilão, em contraciclo com o resto do mundo. E, como explicou Jorge Welsh ao Art Newspaper – que refere o pagode deste antiquário membro do famoso comité de veto da feira –, as vendas em porcelana chinesa estão a chamar a atenção na Ásia, com os preços "a subirem dramaticamente", numa espécie de regresso a casa dos objectos. "Não são dezenas mas centenas os museus que estão a abrir na China, e alguns estão interessados na porcelana chinesa de exportação." Ao PÚBLICO, adianta que vendem "cada vez mais para a China, incluindo porcelana de exportação chinesa feita para Portugal". Não será o caso do seu pagode, que foi comprado por um coleccionador norte-americano ainda antes da abertura oficial da feira, no habitual período prévio de acesso reservado a visitantes profissionais. 

Na China, escreve Clare McAndrew no relatório, a cerâmica teve um aumento de vendas de 690% na última década, enquanto o resto do mercado ficou por metade dessa taxa de crescimento. Em 2015, com uma presença de 35% no total do mercado, o sector teve, mesmo assim, um crescimento de 0,5%.

Maria Antónia Pinto de Matos, acabada de chegar da feira, onde faz peritagem na área da sua especialidade, a porcelana chinesa de exportação, diz que esta é a feira mais importante do mundo: "É absolutamente extraordinária. O que não está ainda nos grandes museus do mundo está à venda em Maastricht. Só nos podemos sentir muito orgulhosos dos stands portugueses. O pagode é um dos highlights da feira." A directora do Museu Nacional do Azulejo, que assina as entradas do catálogo da exposição do Metropolitan, destaca também as duas garnitures (guarnições) de inícios do século XVIII de porcelana chinesa de exportação, ambas inspiradas em gravuras europeias, que Welsh e Alegria têm à venda. "Não é fácil tê-las e há duas nos stands portugueses."

Sobre a pujança de vendas nesta área, a especialista diz que, quando começou a ver os chineses no mercado ocidental, eles estavam especialmente interessados em porcelana imperial e feita para o mercado interno: "Isso continua, mas neste momento também já se interessam por porcelana para o mercado ocidental. É normal, porque também faz parte da sua história."

A imprensa holandesa, segundo o relato da AFP, estava a destacar na TEFAF uma tela de Rembrandt, supostamente perdida, pertencente ao grupo dos cinco sentidos que fez quando tinha 18 ou 19 anos. Intitulada O Doente Desmaiado (Olfacto), foi comprada por um milhão de euros pela galeria francesa Talabardon & Gautier num leilão no ano passado, tendo pertencido a um privado que não sabia o que tinha nas mãos.

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