Entrevista a Artur Agostinho: "Hoje explora-se mais o espectáculo do que o saber"

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Foto: Daniel Rocha

Dos relatos de futebol e de hóquei em patins ao tremor de terra de Agadir, das reportagens da guerra em Angola à apresentação dos espectáculos da FNAT, dos concursos às séries televisivas (antepassadas das telenovelas em que, ainda hoje, com quase 82 anos, dá cartas como actor), Artur Agostinho deixou marcas na rádio e na televisão que em Portugal se fizeram, ao longo da segunda metade do século XX.

Qual a diferença entre Quem Sabe, Sabe e os concursos de hoje?

A grande diferença é que hoje, com raras excepções, não se privilegia a cultura geral, mas sim a sorte, a exposição física, a intimidade. Explora-se mais o espectáculo (há outros meios tecnológicos) do que o saber do concorrente. No que vejo do estrangeiro penso que são mais simples e se preocupam sobretudo com a cultura do concorrente. Faz-me impressão ver aquilo a que as pessoas se sacrificam para ganhar mais uns tostões: raparem o cabelo, comerem vermes, coisas incríveis. Por muito que a mentalidade avance, há coisas que tocam muito no íntimo das pessoas.

O tipo de concorrente é também diferente?

Havia gente culta, aventureiros um pouco inconscientes, mas também pessoas que iam só para ver se ganhavam alguma coisa. Hoje, nos concursos que obedecem ao esquema da pergunta-resposta, aparecem pessoas que sabem, mas também alguns cuja ignorância é de bradar aos céus. Nesse aspecto, as coisas não se modificaram.

Quando se diz que Quem Sabe, Sabe foi um êxito, em que indicadores se baseavam para a avaliação? Não havia sondagens, não é?

Primeiro pela correspondência. Segundo, pelos telefonemas. As pessoas usavam muito o telefone nessa altura. Para elogiar, mas sobretudo para criticar. Calinadas... Todos nós demos calinadas na vida. Agora às vezes dizem-se mais, mas enfim... Lembro-me que uma vez que o Olavo D'Eça Leal, na Emissora Nacional, disse "clorofila" em vez de clorofila. Choveram cartas a exigir a demissão do homem.

Nos concursos fui muitas vezes criticado por pessoas que diziam que eu estava combinado com os concorrentes. Lembro-me de um deles em que os meus pigarreies — estava constipado, na altura — foram tidos por indicações aos concorrentes! Até mais recentemente, no início dos anos 80, chegaram a dizer que, no Noves Fora Nada (de Artur Varatojo), havia um anão colocado por debaixo daquilo para parar a roda.

Foi o apresentador de mais concursos na TV. Quais as qualidades ou características que deve ter um apresentador de concursos?

Acho que deve tentar descontrair o mais possível o concorrente. Acho importante ter uma conversa prévia com ele, para lhe conhecer certas reacções. Há pessoas que reagem mal, outras que reajem bem a uma brincadeira. Aí está outro aspecto em que fui criticado. Às vezes brincava um pouco, dando a sensação de que estava gozar. E não era isso. Procurava por o concorrente à vontade. Penso que não se deve gozar com a ignorância. Outra característica: ser completamente transparente no que se está a fazer. Não deixar dúvidas. Bom, mas penso que não se deve ajudar, embora às vezes o sentimento nos leve a isso... [ver histórias de concursos].

Qual o lugar de Quem Sabe, Sabe no "top" de concursos por si apresentados?

Número um "exaequo" com o Ou Sim, ou Não.

E quanto a concursos em que não participou?

A Visita da Cornélia, por exemplo, foi muito importante. Mas mesmo assim colocava o Quem Sabe, Sabe, na sua qualidade de pioneiro, no pódio, entre os primeiros.

A pergunta não tem nada a ver com o tema, mas não consigo resistir: não volta a fazer desporto, na rádio ou na televisão?

Não, não. Foi um ciclo que se fechou. Temos que saber acabar. Continuo interessado pelo fenómeno desportivo, ainda agora no estúdio onde estava a gravar a telenovela lá estive a ver nos intervalos os Campeonatos Europeus de atletismo, gosto de ciclismo, gosto de natação, gosto de basquetebol, gosto de futebol, mas agora só como espectador.

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