Cabrita contra pressa em antecipar legislativas: “O único excitado em ter sempre eleições é o Presidente”

Depois do resultado das europeias, ex-ministro da Administração Interna de Costa pressiona Pedro Nuno Santos sobre OE25: “O PS é o maior partido e tem de ter responsabilidade.”

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Eduardo Cabrita também deixou críticas ao anterior Governo NFS Nuno Ferreira Santos
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Ex-ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que propôs o desmantelamento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) reconhece atrasos na instalação da AIMA e critica aumentos na PJ feitos pelo anterior Governo do PS sem olhar ao mesmo tempo para a PSP e GNR. Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, deixa ainda um reparo ao Presidente da República.

Com tudo o que estamos a assistir, a acumulação de milhares de processos de regularização de imigrantes, não se arrepende de ter acabado com o Serviço de Estrangeiros em Fronteiras (SEF)?
O que é fundamental percebermos, passada aquela semana de propaganda em semana pré-eleitoral com alguma retórica, é que o Governo separou a dimensão policial, que deve ser assegurada pela PSP e GNR, daquilo que é a dimensão administrativa. O que faltava era mais e melhor AIMA, isto é, uma estrutura administrativa robustecida.

Mas a substituição do SEF pela AIMA correu mal, a seu ver, como disse António Vitorino?
António Vitorino disse tudo aí, não há muito a acrescentar. O que temos a fazer é olhar para diante e fazer correr melhor.

Concorda?
Sim. Porquê? Porque houve dois anos, não sei porquê, não sei... O processo de transição devia ter sido o mais rápido possível porque estamos a falar de trabalhadores administrativos com remunerações muito mais baixas do que as dos inspectores e que em dois anos não criou melhor preparação, criou incerteza. Daí a notícia de que havia muitos funcionários a pedir para saírem da AIMA. O que é preciso é mais AIMA e melhor AIMA, não é voltar para trás.

Depois de ter saído do Governo, os ministros, neste caso Ana Catarina Mendes, José Luís Carneiro, não deram a devida agilidade a este processo?
Não vou comentar essa questão, não se coloca assim. Há complexidades, eu não vou pronunciar-me sobre como é que outras pessoas gerem dificuldades.

A partir de 2015, o número de estrangeiros começou a subir. Em 2021, eram já cerca de 700 mil. Portanto, os últimos dados, que são de 23, falam de 1 milhão e 400 mil. É necessário que uma estrutura criada de raiz para dar resposta a isso tenha instrumentos poderosos, do ponto de vista tecnológico e do ponto de vista humano, para responder a isso.

E como é que viu a criação do visto solidário?
Primeiro, não foi criado. Não sei o que é. Parece-me um "visto gold light". O plano do Governo teve aspectos bastante positivos, como por exemplo dizer que Portugal precisa de migrantes e que não há nenhuma correlação, por exemplo, entre migração e segurança. Mas depois, no conjunto de medidas, a medida principal é uma medida errada.

A suspensão da manifestação de interesse.
Não é suspensão, é a revogação. É uma medida perigosa. Agora, o tal visto solidário não aparece lá nas 41 medidas. É uma sugestão à parte.

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As características da migração em Portugal alteraram-se fruto das necessidades da economia e fruto também da competitividade de Portugal relativamente a outros países.

Hoje já há muito pouca imigração de origem africana. A ideia que isto se resolve com vistos nos consulados é absolutamente irrealista. Nós não temos representação diplomática nem no Nepal, nem no Bangladesh, para falar de dois países muito presentes, sem os quais não haverá vindimas no Douro nem frutos vermelhos em Odemira.

Como é que viu a substituição do director nacional da Polícia de Segurança Pública?
Com surpresa, porque o princípio é de estabilidade nas forças de segurança. Mais do que uma não explicada decisão de afastamento de um director nacional, que tinha sido nomeado há menos de um ano, isso determinou a saída de todo o topo da PSP, aquilo que é a elite da PSP. Todos os directores nacionais adjuntos saíram e terão pedido a passagem à pré-aposentação. Isso é decapitar uma geração da PSP.

E na questão das reivindicações salariais das forças de segurança, está do lado das associações ou do lado também dos militares e dos agentes da PSP, ou do lado do Governo?
Eu não estou de lado algum. Estamos a falar de questões complexas que devem ser vistas globalmente. A AD, na pré-campanha, fez um discurso dúbio que alimentou expectativas. Neste momento, está num caminho misto de ganhar tempo e dividir sindicatos. Teve sucesso com os professores e teve sucesso com os oficiais de justiça.

Mas no caso das forças de segurança, acha que deviam ter direito ao mesmo aumento que a Polícia Judiciária teve?
Isso é uma forma primária de olhar para as coisas. Esse suplemento da PJ estava previsto desde 2019. O que eu disse sempre enquanto estive em funções é que, um dia que isso fosse regulamentado, teríamos de ver o que se passa na justiça, nas áreas de segurança e de defesa...

Se fosse ministro, no Conselho de Ministros ter-se-ia oposto àquele aumento apenas na área da justiça?
Não é assim. Estou a dizer que as questões têm de ser vistas globalmente.

E o Governo não fez.
Também agora terão de continuar a ser vistas globalmente. Porque as situações são diferentes em si.

O resultado destas eleições europeias deu um certo conforto ao PS e, sobretudo, a Pedro Nuno Santos. Acha que agora será mais fácil ao líder do PS dialogar com o Governo?
A principal lição destas eleições que espero que Luís Montenegro tenha aprendido é que precisa de dialogar mais. Quem tem 78 deputados, o mesmo número de deputados do PS, não tem condições para aprovar o que quer que seja na Assembleia, se não dialogar, como por exemplo no IRS Jovem. Até porque foi para isso que se criaram os parlamentos. Nos tempos reais, as cortes existiam para autorizar o rei a cobrar impostos. E o que é que faz o Governo? Apresenta uma proposta de autorização legislativa. Isso é absolutamente inaceitável, relativamente a uma matéria deste tipo, falar em diálogo e depois pretender aprovar o IRS Jovem por decreto.

E pode vir a aprovar o OE?
Quanto ao orçamento, vivemos, às vezes, numa excitação antecipada. Concordo que as eleições podem ter melhorado o ambiente, no sentido em que serenaram um pouco os ânimos de tudo, a começar pelos do Governo. Ao PS, deu um grande conforto quanto à correcção da via seguida.

Ora bem, ninguém sabe o que é o orçamento. Portanto, enquanto a proposta de orçamento não for apresentada, é um bocadinho prematuro estar a dizer antecipadamente o que é que se faz.

O governo também deve estar preparado para ter um debate orçamental em que a especialidade é uma especialidade rica, isto é, em que na especialidade poderão resultar múltiplas alterações.

Mas para ir para a especialidade, precisa primeiro de passar-se na generalidade.
Com certeza. Mas o único voto que conta é mesmo a votação final global.

A posição inicial, inflexível, do "praticamente impossível" da direcção nacional do PS, tornou-se agora um bocadinho mais flexível.
Acho que o teste é, sobretudo, para o Governo. Espero que o Governo, como prova de abertura, retire o pedido de autorização legislativa sobre o IRS Jovem e o transforme numa proposta de lei material. Era um bom exemplo da abertura para dialogar.

E o PS está preparado neste momento para eleições legislativas?
Por que é que há-de haver eleições legislativas? Se o orçamento não for viabilizado, há condições para a governação continuar. É evidente que temos uma situação muito anómala, que é ter um Presidente da República que confunde a sua situação de professor de Direito Constitucional com a de comentador político, com a de Presidente e que é um dos principais responsáveis pela instabilidade política em Portugal. Já em 2019, não era automaticamente necessário que tivesse havido dissolução.

Não havendo eleições legislativas, como é que o Governo faz?
O Governo pode apresentar um segundo orçamento. Há múltiplas soluções. Não temos de ser tremendistas. Temos de ser criativos, no sentido de encontrar soluções e não para caminhar para o beco seguinte. Para isso já nos chegou este processo totalmente anómalo que nos trouxe aqui. O Presidente da República marcou eleições sem apoio do Conselho de Estado e precipitadamente.

Primeiro, o que resulta destas eleições é que não há nenhuma alteração radical relativamente às forças que têm a aspiração de liderar soluções de governo. O PS ganhou claramente. Isso é muito importante para a afirmação de Pedro Nuno Santos. E trava o tal caminho de arrogância de Luís Montenegro.

O PS tem sentido legitimar que é o maior partido português em termos eleitorais. Portanto, o PS tem a obrigação também de responsabilidade de, face a uma abertura do Governo, analisar com profundidade as propostas apresentadas pelo Governo.

Tem a mesma opinião de Carlos César, o presidente do PS, que, na campanha eleitoral, dizia que era preciso o PS ter paciência e não ter pressa em eleições legislativas a breve trecho?
Com certeza. O único excitado que quer sempre eleições é o Presidente da República.

Há pessoas no PS que ficam preocupadas, que acham que se o PS viabilizar um orçamento, fica colada a imagem que está a dar a mão a Luís Montenegro e pode vir a ser penalizado. Acha que este receio não faz sentido?
É preciso responsabilidade. O PS é o maior partido português. Hoje é possível dizer isto, depois destas eleições. É o maior partido português em termos eleitorais. O PS, com o sentido de responsabilidade de ser o maior partido português e um partido europeísta, tem a obrigação de ter sentido de responsabilidade.

E, portanto, não tem nenhuma obrigação de dizer à partida, "vamos aprovar o orçamento", que parece que alguns exigem, mas também deve dizer que está disponível para discutir as propostas apresentadas pelo Governo, bem como pelos outros partidos.

Eduardo Cabrita, foi dirigente do Partido Socialista, fez parte do núcleo duro em dois governos do António Costa. Sente que fez parte de uma purga dentro do partido? Que o PS, de certa maneira, o deixou cair ou que é considerado um activo tóxico?
Acho que não.

E a sua relação com António Costa? Tem falado com ele?
Já almocei com ele depois de ele ter saído do governo.

E gostava de ver o ex-primeiro -ministro como presidente do Conselho Europeu e acha que, de facto, isso é uma possibilidade?
Depende do equilíbrio de forças no Conselho Europeu. Estas eleições europeias são muito preocupantes pelo crescimento de forças radicais de direita, sobretudo em alguns dos países centrais, e pela falência da direita clássica, a direita democrática que, já se suicidou nas mãos da extrema-direita em Itália e está à beira de o fazer em França.

Acho que ele tem todas as condições para isso.

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