A quem mais precisa ou a quem mais reclama?

Considero a disponibilização de consultas de psicologia e nutrição a todos o universitários uma medida insensata e uma injustificada discriminação positiva à futura elite portuguesa.

Ouça este artigo
00:00
03:53

O Governo irá disponibilizar 100 mil consultas de psicologia e 50 mil consultas de nutrição para alunos do ensino superior.

Salvo melhor opinião, considero estas medidas insensatas e uma injustificada discriminação positiva a universitários, a futura elite portuguesa. Não conheço dados que provem que estes jovens necessitem de maior apoio psicológico do que os seus pares não universitários. Os sete inquéritos que conheço sobre a dita “saúde mental” dos universitários sofrem de graves erros metodológicos que levam a abusivas conclusões enviesadas. Felizmente.

Nenhuma das amostras é aleatória, são todas de conveniência ou oportunidade, pelo que não são representativas, traduzindo apenas a opinião dos participantes – uma percentagem insignificante (<1 (3x), 3 e 6%) ou muito pequena (12,5 e 14,3%) do total – muito provavelmente muito diferente da grande maioria dos que tão tiveram acesso, não deram conta, não lhes ligaram ou não quiseram responder a esses inquéritos. Amostras que, não sendo aleatórias, tanto podem reflectir a nata superficial como a borra decantada.

Num destes inquéritos, mais de metade dos participantes referiu como “principal motivo para o declínio no bem-estar psicológico a ‘pressão no desempenho académico’".

Quanto aos nutricionistas, não pesquisei dados, mas custa a crer que jovens adultos universitários tenham mais problemas nutritivos do que os seus pares não universitários. Para educar as regras alimentares já é tarde; não é com cheques individuais que se resolve o grave problema nutricional que em Portugal começou há meio século dependente dum consumo alimentar excessivo, bem conhecido e bem promovido por uma publicidade escandalosamente obesogénia infelizmente com a complacência de todos ou quase todos.

O excesso de peso (incluindo a obesidade) e os hábitos alimentares inadequados estão entre os principais determinantes da perda de anos de vida saudável dos portugueses, contribuindo, respetivamente, para 8,3% e 7,5% do total de mortes em Portugal em 2021. Nas duas últimas décadas em Portugal, o excesso de peso (incluindo obesidade) ultrapassou o tabaco como um dos fatores de risco de perda de anos de vida saudável e de mortalidade (GBD Study, Portugal, 2021, DGS Maio de 2024).

Num país anafado que come demais, os nutricionistas que apoiaram a insensata lei do “IVA zero a alimentos essenciais” para todos – pobres e ricos, magros e gordos – e que incluía manteiga e carne (de que os portugueses consomem quatro vezes o recomendado e cujo elevado consumo da variedade vermelha ou processada é considerado pela Direcção-Geral de Saúde um dos fatores de risco alimentar) – um subsídio à obesidade – são agora beneficiados com 50 mil cheque-nutricionista.

Uma e outra medida, além da referida insensatez, tratam as futuras “gerações mais bem instruídas de sempre” como se fossem dependentes, menorizando-as como as “almas” dos autos vicentinos, a precisar de um anjo da guarda “sempre ò redor”; agora são os psicólogos e os nutricionistas, logo virão outras corporações quais antigas ordens religiosas pretextando velar por nós.

«ALMA
Anjo que sois minha guarda, olhai por minha fraqueza terreal!
De toda a parte haja resguarda, que não arda a minha preciosa riqueza principal.
Cercai-me sempre ò redor porque vou mui temerosa de contenda.
Ó precioso defensor meu favor!
Vossa espada lumiosa me defenda!
Tende sempre mão em mim, porque hei medo de empeçar e de cair

ANJO
Pera isso sam e a isso vim…»

Gil Vicente, Auto da Alma

Os 7 inquéritos

1. Inquérito Saúde & Bem-Estar na Universidade de Lisboa (2022)
2. Questionário a estudantes sobre saúde mental da Universidade de Lisboa, promovido pela Associação Académica da Universidade de Lisboa
3. A saúde mental em estudantes do ensino superior (Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental)
4. Impacto do confinamento na Academia de Coimbra (2021)
5. Perspetivas sobre a Saúde Mental na Academia do Porto (2023)
6. Depression and Anxiety of Portuguese University Students: A Cross-Sectional Study about Prevalence and Associated Factors (U. Évora e sete instituições de ensino superior portuguesas)
7. Aplicação de Um Inventário de Saúde Mental à População Universitária em Portugal. Relatório Resumo do Estudo Colaborativo entre a RYSE e a ANEP janeiro, 2023

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 8 comentários