Femicídio: há países a tornar o homicídio de mulheres num crime específico. Porque é necessário?

O conceito de femicídio enfatiza a culpa dos estados e as respostas inadequadas a este tipo de violência de género. Alguns países estão a aprovar leis para o criminalizar especificamente.

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Manuel Roberto
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Em média, cinco mulheres ou meninas são mortas, por hora, por alguém da sua família, de acordo com dados das Nações Unidas. E, frequentemente, os seus homicídios estão intrinsecamente ligados ao facto de serem mulheres. Alguns países estão a aprovar leis para criminalizar especificamente o femicídio — uma manifestação extrema da violência de género.

A primeira vez que o uso do termo “femicídio” foi documentado data de 1801, num livro do escritor irlandês John Corry, chamado A Satirical View of London at the Commencement of the Nineteenth Century, que usou o termo para se referir ao assassinato de uma mulher. O termo foi repescado nos anos 70 do século XX, por Diana E. H. Russel, especialista em violência contra mulheres, que trabalhou para tornar visível a magnitude da violência e discriminação contra mulheres.

Ainda que não haja uma definição consensual para o fenómeno, o “femicídio” é amplamente definido como o assassinato de uma mulher ou menina por causa do género. Isto pode ser um resultado de violência por parte do parceiro ou um homicídio “em nome da honra”, por exemplo.

Desde que as Nações Unidas adoptaram a resolução 68/191 em 2013, apelando aos países para tomarem acção contra homicídios com base no género de mulheres e meninas, muitos países introduziram leis relacionadas com o femicídio.

Em 2022, o Chipre integrou o femicídio no código criminal como um crime distinto e num factor agravante na imposição de penas. Nesse mesmo ano, o femicídio foi introduzido no código criminal de Malta. Agora, pode ser considerada uma motivação para homicídio, e, em alguns casos, o juiz pode considerar a pena mais alta — prisão perpétua.

A Croácia é o mais recente país a adoptar uma lei dedicada ao femicídio, tornando-o num crime autónomo, punível com dez ou mais anos de prisão.

A América Latina e as Caraíbas têm alguns dos níveis mais altos de homicídios por ódio a mulheres e meninas. Em resposta a isso, 18 dos 33 países da região criaram uma nova legislação que classifica o femicídio como um crime de ódio distinto.

A Costa Rica tornou-se no primeiro país a aprovar uma lei que tornou o femicídio num crime legalmente definido, em 2007. Um homem que matar a sua esposa ou companheira pode ser punido com uma pena entre 20 e 35 anos de prisão. Também há penas específicas para o abuso psicológico e de restrição de movimento, como quando um homem manipula uma mulher para a impedir de o deixar.

As leis não são suficientes

Um relatório da Queen Mary University of London usou como caso de estudo o México para demonstrar que a lei, por si só, não levou à redução do femicídio. As principais conclusões do estudo podem ser uma fonte crucial não só para entender a complexidade do femicídio como uma forma extrema de violência de género, mas também para aumentar os esforços para melhor responder a ele.

Um dos principais problemas é a inexactidão dos números. Em muitos casos, só as mortes levadas a cabo por companheiros ou membros da família são contabilizadas como femicídio.

Isto leva à invisibilidade do femicídio, que acontece como parte de uma série de práticas nocivas, como a mutilação genital, os crimes de ódio relacionados com a orientação sexual, o assassinato de mulheres indígenas ou as ligações a gangues e outras formas de crime organizado.

A Costa Rica tentou resolver este problema incluindo na lei uma definição extensa de femicídio, que inclui o femicídio perpetrado pelos que baseavam a sua relação em confiança, amizade, autoridade ou poder. Isto possibilita a punição de crimes contra mulheres mesmo que não haja uma relação “romântica” entre o perpetrador e a vítima.

Hoje em dia, a Costa Rica tem um nível de femicídio mais baixo do que os vizinhos Guatemala, El Salvador e México.

Ainda que as circunstâncias políticas e sociais dos países possam ser diferentes, há várias lições no combate ao femicídio que são universais.

O termo “femicídio” também carrega conotações políticas. Na América Latina, é usado para se referir à falta de resposta dos governos em relação aos homicídios de mulheres e meninas.

O conceito de femicídio enfatiza a culpa dos estados e as respostas inadequadas a este tipo de violência de género. Isto é particularmente relevante quando vemos a violação e assassinato de mulheres e meninas como abonáveis armas de guerra — como aconteceu recentemente na Ucrânia, por exemplo.

Dado que a maioria dos femicídios são perpetrados por actuais ou antigos maridos ou parceiros, é de prioridade máxima olhar para a masculinidade tóxica e promover a igualdade de género. Claramente, precisamos de ir além das molduras legais para combater a violência contra as mulheres. Vai ser necessário activismo e participação activa de membros da comunidade para criar soluções a longo prazo que reduzam os femicídios.


Exclusivo P3/ The Conversation
Madhumita Pandey é professora de Criminologia na Universidade Sheffield Hallam

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