Amendoeiras em flor, tartes e gelados potenciam o sector dos frutos secos em Alqueva

A sequência compacta de milhões de amendoeiras cobertas de flores brancas é já um fenómeno turístico, que fascina sobretudo cidadãos americanos e brasileiros.

Foto
As plantações existentes “têm capacidade de triplicar a produção” de miolo de amêndoa GettyImages
Ouça este artigo
00:00
05:57

O ondular dourado das searas que durante séculos cobriu dezenas de milhar de hectares da planície alentejana, atribuindo ao sul do país uma imagem marcante que continua a participar nas décimas populares e na poesia do cante, deu lugar a um fenómeno impressionante: entre o final de Janeiro e Março, longuíssimas e compactas filas de amendoeiras apresentam os ramos com um tom branco e rosado uniforme. As pétalas vão caindo, com o sopro do vento, e deixam um extenso tapete com a mesma tonalidade a esconder, por breves semanas, o castanho da terra. É o prelúdio da Primavera, a anunciar a renovação da natureza, e de um novo cenário nos campos de Alqueva que veio potenciar fluxos turísticos, tão repentinos quanto inesperados.

A vertente turística está a revelar-se “um contributo para potenciar o consumo de amêndoas produzidas em Alqueva através de novas experiências gastronómicas”, antecipou José Manuel Santos, presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, durante a mesa-redonda Aumentar o consumo de frutos secos: alimentação e experiências, que decorreu no III Congresso Portugal NUTS, realizado nesta semana em Beja.

Com efeito, o impacto que o fenómeno está a assumir, pelo crescimento do número de pessoas que se desloca para contemplar a maior e mais densa mancha de amendoal do país, torna possível a realização de um festival da amêndoa, admite Manuel dos Santos, confirmando que se trata de uma realidade recente.

“Era uma vez uma amêndoa que sonhava ser tarte”

Vasco de Sousa, com experiência em inovação de produtos alimentares (pastelaria, doçaria e gelataria), recorreu a uma frase promocional para destacar outra mais-valia que os frutos secos propiciam: “Era uma vez uma amêndoa que sonhava ser tarte”. A mesma frase é aplicada aos gelados que têm na sua composição a amêndoa.

“Temos de elevar os frutos secos a um patamar superior quase gourmet”, propõe o industrial de pastelaria, realçando a importância de Portugal produzir “a melhor amêndoa do mundo”, fruto seco que não está a viver o melhor momento. “O preço pago à produção de amêndoa tem sido bastante deprimente”, frisou Tiago Costa, presidente da Associação de Promoção de Frutos Secos – Portugal NUTS, entidade organizadora do congresso.

Nos últimos dois anos, os produtores viram o preço cair drasticamente, com o miolo de amêndoa a ser pago entre 3 a 3,5 euros o quilo, quando em anos anteriores chegou a ser pago a 9 euros. A descida do preço é justificada pela abundância deste fruto seco nas campanhas da Califórnia, onde se cultiva cerca de 70% da produção mundial de amêndoa.

António Saraiva, director executivo da Portugal NUTS, acrescentaria outros constrangimentos que estão a contribuir para o mau momento que o sector atravessa: “Há menos terra disponível para a plantação de novos amendoais, e houve menos água para a rega”, factores que “vieram retardar novas plantações”, frisou o dirigente da Portugal NUTS.

Desafios para o amendoal

Num ano com as dificuldades decorrentes da reduzida precipitação e das dotações de água autorizadas, o amendoal em produção apresentou “alguns desafios de gestão”, reconhece a associação de frutos secos, destacando os condicionalismos impostos pelo ano agronómico que “levaram a que as amêndoas tenham sido mais pequenas e com menor peso específico”.

Economicamente, os produtores “viram as suas margens mais comprimidas”, devido a preços “historicamente baixos” e a um ano em que as limitações acima enunciadas limitaram o potencial produtivo, salienta um documento da Portugal NUTS, inserido no Anuário Agrícola de Alqueva, publicado pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva (EDIA) e relativo a 2023.

Este documento refere que a área de amendoal em Alqueva “continuou a aumentar, embora a uma taxa menor que os anos anteriores”. Nas campanhas que decorreram entre 2018 e 2022, a média de novos amendoais plantados foi superior aos 4.000 hectares/ano. Na campanha 2022/2023, o aumento da área não chegou aos 1.500 hectares. A área de amendoal plantada em Alqueva atingiu, em 2023, os 23.859 hectares.

Esta redução, prossegue a informação da EDIA, “pode ser atribuída a vários factores, tais como flutuações nos preços da matéria-prima nos mercados internacionais, alterações nas condições climáticas, adaptabilidade da cultura à nossa região, condução da cultura, etc.”. O aumento “mais lento pode indicar um abrandamento do interesse” em expandir a produção de amêndoas na região, transcreve o anuário agrícola, que regista uma “boa qualidade da amêndoa, por comparação com o resto da Península Ibérica”, embora as produtividades, em alguns casos, tenham ficado abaixo do esperado.

Produção triplica

Mas apesar dos sobressaltos já referidos, António Saraiva acredita que os amendoais podem vir a produzir “três vezes mais do que já produziram este ano, salientando que dos 63.884 hectares de amendoal plantados a nível nacional em 2022 (dados do INE), 35.013 hectares são referentes a novas plantações efectuadas entre 2015 e 2022. “As árvores vão crescendo em produtividade até chegarem ao seu pleno, que é à volta do sexto, sétimo ano de idade”, observa o presidente executivo da Portugal NUTS.

As plantações existentes “têm capacidade de triplicar a produção”, ou seja, em cinco ou seis anos a produção de miolo de amêndoa pode passar das 20 mil toneladas obtidas em 2023 para “60 mil toneladas ou ainda mais”. Se esta meta for alcançada, Portugal pode alcançar o quarto lugar no ranking mundial de países produtores, atrás de Estados Unidos, Austrália e Espanha, prevê António Saraiva.

Enquanto isso, as amendoeiras em flor atraem turistas. Do Algarve chegam excursões com turistas, maioritariamente americanos e brasileiros, para observar na região do Alqueva o que a lenda atribuiu ao rei mouro Ibn-Almundim. Numa das suas investidas guerreiras ao Norte da Europa conheceu Gilda, com quem partilhou uma intensa história de amor. Mas na terra com longas horas de sol, a nostalgia da neve acabaria por tomar conta da princesa nórdica. Para aplacar o seu sofrimento, o rei mandou plantar amendoeiras no território de Chelb (Silves). E quando floriram de cor branca, a tristeza deu lugar ao encantamento, que agora se observa no olhar fascinado dos que percorrem os amendoais alentejanos.