Dignidade não tem idade - pelo fim das violências educativas

As crianças, que são tão vulneráveis, continuam a ser a excepção, as únicas a quem achamos normal que se bata.

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Sublinhamos, quando comemoramos 50 anos de democracia, os enormes avanços no capítulo dos direitos fundamentais, em particular para os que, como as mulheres e as crianças, eram vítimas de violência e humilhação quotidiana. É verdade que as crianças viram os seus direitos reconhecidos, que os castigos corporais desapareceram das escolas e que em 2007 Portugal tornou estes castigos expressamente proibidos por lei, mas infelizmente muitas crianças continuam ainda a sofrer diariamente, vítimas de castigos corporais, sobretudo pelos seus próprios pais.

Os castigos corporais são definidos pela Convenção sobre os Direitos da Criança, da qual Portugal é signatário, e significam: “Todos os castigos em que se utilize a força física com o objectivo de causar algum grau de dor ou de desconforto, mesmo que leve; (...) bem como outras formas de castigos não-físicos, que são igualmente cruéis e degradantes”.

Se as formas de castigos corporais mais pesadas parecem já ser condenadas pela nossa sociedade, as ditas leves, também apelidadas de violências educativas, não parecem ser consideradas pela maioria como uma forma de violência. Quantas vezes já ouvimos “ah, mas uma palmada não faz mal a ninguém” (mas faz…). As crianças, que são tão vulneráveis, continuam a ser a excepção, as únicas a quem achamos normal que se bata.

Continuamos a permitir que as crianças sejam tratadas de forma indigna. Mas a dignidade não tem idade. Aliás, o artigo 1.º da Constituição diz: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana (...)”. As crianças são pessoas. Por isso, é fundamental lutar para que não haja “nem mais uma palmada”, nem tantas outras formas de violências educativas.

E porque é que tantos pais continuam a agir de forma violenta com os filhos? Porque educam os seus filhos da forma como foram educados; porque acreditam que bater/castigar é uma forma de educar; e muitas vezes porque se descontrolam e perdem a capacidade de raciocinar. Seja qual for a razão, ela não justifica esta diferença de direitos.

Sabemos que as crianças aprendem sobretudo com o exemplo, com o diálogo, com a relação que criam com os outros, que aprendem com amor. Como é que podemos pensar que alguém consegue aprender com medo, com dor, com desconfiança?

Há dias vi uma mãe dar um enorme puxão de orelhas a um filho porque o que ele tinha feito ao irmão era “inaceitável”. Gostava de lhe ter perguntado: “Será coerente tentar ensinar ao seu filho que ele não pode magoar o irmão, precisamente enquanto o magoa a ele?” O que aquele filho aprendeu foi que as pessoas mais fortes podem magoar as mais fracas para as ensinar ou para resolverem um conflito, foi que as pessoas que mais nos amam têm o direito de nos magoar.

O que é importante é perceber as necessidades e os sentimentos por detrás dos comportamentos de uma criança, sermos empáticos, dialogarmos, explicarmos-lhe as consequências que as suas ações podem ter sobre os outros, pensar com ela formas de reparar o sucedido e de tentar evitar que se repita. Felizmente as alternativas às violências educativas são inúmeras.

Se pudesse, dizia a todos os pais que o que as crianças precisam (e não é, aliás, o que todos gostaríamos?) é de serem amadas incondicionalmente, cuidadas, respeitadas, capazes de fazer escolhas, de poderem tomar ou participar nas decisões sobre a sua vida e de saberem que são aceites como são.

Aos pais que repetem a forma como foram educados, dir-lhes-ia que para quebrarem o ciclo de violência não é preciso culparem ou condenarem os seus pais, os tempos mudaram e os seus pais estavam certamente a fazer o melhor que sabiam.

A capacidade de questionarmos o que temos vindo a fazer (sem culpas) é fundamental. A conexão deve ser o nosso guia, se sentirmos que o que estamos a fazer nos está a desconectar dos nossos filhos, esse deve ser um sinal de que podemos fazer melhor.

Tenho a sorte de ter sido uma filha amada e respeitada. Espero conseguir contribuir para um mundo com crianças e famílias mais felizes e amadas incondicionalmente!

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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