Caso das gémeas: Santa Maria terá de fazer consulta online, após decisão do tribunal
O Hospital de Santa Maria tinha recusado a teleconsulta, mas os pais das gémeas luso-brasileiras apresentaram uma providência cautelar para que tal fosse possível.
As gémeas luso-brasileiras que foram tratadas com o medicamento Zolgensma — na altura, um dos mais caros do mundo — para a atrofia muscular espinhal vão ter, na tarde desta segunda-feira e por ordem do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, uma consulta online no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. A notícia é avançada pelo Jornal de Notícias e confirmada pelo PÚBLICO, que teve acesso à decisão proferida pelo tribunal e assinada pela juíza Sofia Marieiro, datada deste sábado.
O Hospital de Santa Maria tinha requerido a presença das gémeas, dado que a consulta de desenvolvimento envolve diversos exames médicos. Porém, após uma providência cautelar feita pelos pais das gémeas, a juíza Sofia Marieiro decidiu que a consulta deve ser feita online. As duas crianças, de cinco anos, estão actualmente a residir no Brasil.
Na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa lê-se que o Santa Maria terá negado a consulta online, “arguindo que a boa prática clínica dita que consultas como a dos presentes autos deve ser realizada por meio presencial, argumento que sai reforçado pela circunstância de as crianças não serem observadas pela equipa clínica da requerida desde Fevereiro de 2023, situação que causa, naturalmente, condicionantes ao acompanhamento médico devido”.
A consulta, inicialmente agendada de forma presencial para esta segunda-feira, visa uma análise geral multidisciplinar de observação do estado de saúde das crianças e tem como finalidade, para além da avaliação da função respiratória, realizar um exame neurológico e proceder à avaliação da evolução da função motora após aplicação do Zolgensma.
Os pais das duas crianças — que dizem temer pela segurança física e psicológica das filhas e ter recebido “inúmeras mensagens de ódio nas mais diversas redes sociais” — alegaram que “quanto à eventualidade de se fazer quaisquer exames clínicos ou laboratoriais esses também podem ser realizados em São Paulo e remetidos em original ao Hospital Santa Maria, sempre a expensas da requerente”. Além disso, falam numa total quebra de confiança na equipa hospitalar do Santa Maria, “em razão da divulgação de dados das crianças e da mediatização hostil e desrespeito materializado em diversas entrevistas televisivas do dr. António Levy Gomes, chefe da unidade de neuropediatria” daquela unidade de saúde.
Ainda de acordo com o mesmo documento, os progenitores referem que a realização de uma viagem entre o Brasil e Portugal, actualmente, não se mostra benéfica para as crianças, “podendo acarretar graves prejuízos irreparáveis para a sua saúde, na medida em que, nos últimos meses, têm tido várias intercorrências, designadamente, problemas de índole pulmonar, sendo certo que têm tido limitações a nível da expansibilidade pulmonar”, além de infecções respiratórias que as obrigam a tratamentos especiais e a serem tratadas com antibióticos. A 2 de Maio, o estado de saúde de ambas as crianças sofreu um agravamento, designadamente ao nível respiratório, tendo necessitado de intervenção médica.
As gémeas luso-brasileiras são acompanhadas no Brasil e, para que os clínicos portugueses as possam avaliar na consulta online, os pais disponibilizam os relatórios feitos no país, além de garantirem a disponibilidade da médica que as acompanha para participar presencialmente ao lado das crianças, por forma a efectuar toda e qualquer manobra técnica solicitada pela equipa do Santa Maria durante a teleconsulta, “de modo a garantir a máxima eficiência e atendimento”.
Na base da polémica e mediatização deste caso estão suspeitas de favorecimento com origem num email enviado por Nuno Rebelo de Sousa ao pai, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República. Posteriormente, António Lacerda Sales revelou ter tomado conhecimento do caso das gémeas “em reunião com Nuno Rebelo de Sousa”, mas negou ter contactado o Hospital de Santa Maria e que trataria “este caso como todos os outros, sem privilégio”.
Entretanto, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) emitiu um comunicado no qual concluía que “não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças a consulta de neuropediatria” do Hospital de Santa Maria por parte das gémeas luso-brasileiras. Num comunicado emitido nesta quinta-feira, 4 de Abril, a IGAS confirma que a marcação daquela consulta não cumpriu o disposto na Portaria n.º 147/2017, que regula o sistema integrado de acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde. E, embora conclua que "a prestação de cuidados de saúde decorreu sem que tenham existido factos merecedores de qualquer tipo de censura", emite reparos também relativamente aos procedimentos adoptados pelo Ministério da Saúde e pelo Infarmed.