Medicamentos grátis: “São fundamentais mecanismos de controlo para evitar abusos e desperdícios”

Hélder Mota Filipe diz que a gratuitidade dos medicamentos vem dissipar a “frustração” dos farmacêuticos perante os idosos que eram obrigados a escolher quais levar para casa.

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Hélder Mota Filipe diz que há muitos idosos carenciados que se vêem obrigados a escolher que medicamentos levam para casa Rui Gaudêncio
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O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, aplaude a gratuitidade dos medicamentos para os idosos mais carenciados, mas alerta para a importância de controlar eventuais abusos e desperdícios.

O que pensa da gratuitidade dos medicamentos para os idosos beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI), que acaba de ser anunciada pelo Governo?
Todas as medidas que sirvam para garantir mais acesso a quem tem dificuldade de acesso, neste caso por questões financeiras, são positivas. Uma das coisas que mais frustram os farmacêuticos comunitários é quando dispensam uma prescrição e percebem que a pessoa não leva todos os medicamentos que estão prescritos porque não tem capacidade de acesso.

Isso acontece com muita frequência?
Acontece. E, em alturas de maior crise económica, aumenta o número de pessoas com este problema, o que faz com que os farmacêuticos tenham que fazer o esforço de, ao menos, dar alguma racionalidade terapêutica às escolhas dos doentes – isto é, que os doentes escolham, entre todos os medicamentos que estão prescritos e que eles não são capazes de pagar, aqueles que mais falta fazem ou as combinações que fazem mais sentido, do ponto de vista terapêutico. Isto é uma frustração para o profissional.

Quando esta medida foi anunciada, o Ministério da Saúde deu alguns exemplos e um deles eram medicamentos para o colesterol, que têm uma taxa de comparticipação baixa, de 37%.
Sim. São relativamente caros e a comparticipação está longe de ser 100%. Há uma iniciativa, que é o Programa Abem – Rede Solidária do Medicamento [que distribui medicamentos gratuitamente a pessoas mais carenciadas], que surgiu exactamente pela necessidade de complementar o pagamento dos medicamentos, de maneira a que as pessoas em situações de maior vulnerabilidade não deixassem de ter acesso aos medicamentos. Agora, este programa, que é feito em colaboração com os municípios, não chega a todas as pessoas nem tem recursos para cobrir todas as necessidades.

E, portanto, esta é uma medida que me parece bastante importante porque, se as pessoas não aderem adequadamente e se não têm acesso aos medicamentos, podem ter um bom diagnóstico, mas a terapêutica não é eficaz, os efeitos não acontecem e a pessoa continua doente.

O que muitas vezes as leva a terem que recorrer às urgências hospitalares, não é?
Exacto. E vão degradando o seu próprio estado de saúde.

Esta medida vai ser fácil de implementar no terreno?
Desde que haja vontade política, os sistemas informáticos fazem o resto. As pessoas têm o estatuto formal de beneficiários do CSI, porque já pagavam só metade dos medicamentos, e, se houver vontade política, não haverá qualquer dificuldade de implementação no terreno.

Em 2009, o Governo, com Ana Jorge no Ministério da Saúde, decidiu tornar gratuitos os medicamentos para todos os pensionistas que ganhassem menos que o salário mínimo. E acabou por recuar passado um ano.
Sim. Há quem diga que a gratuitidade dos medicamentos está associada a um maior desperdício.

Na altura, o Governo tinha estimado gastar 35 milhões de euros e depois gastou 100 milhões e acabou com a medida.
Esse é um aspecto importante. Há estudos que mostram que, quando os cuidados ou os medicamentos são gratuitos, aumenta o desperdício. As pessoas sentem que, na dúvida, levam o medicamento, mas a verdade é que só aumenta o desperdício se não houver mecanismos de controlo. E é importante que estas medidas tenham mecanismos de controlo associados, que definam o número de embalagens por mês necessárias para a terapêutica, para que as pessoas não os levem em quantidade descontrolada. Portanto, é fundamental que a medida tenha mecanismos de controlo da sua implementação para evitar abusos e desperdícios.

Porque os medicamentos não são um produto como outro qualquer, não é?
Não. Mesmo para a terapêutica crónica, passou a haver um novo mecanismo, que é o médico pode prescrever para um ano, teoricamente, mas, de dois em dois meses, tem que haver renovação da terapêutica. Portanto, hoje, com a intervenção dos farmacêuticos e os mecanismos informáticos à disposição, torna-se muito fácil controlar as quantidades de medicamentos dispensados, até a adesão à terapêutica, logo controlar e evitar o desperdício.

A despesa com medicamentos está a aumentar, nomeadamente para os próprios utentes.
Sim, aliás, se olharmos para 2023, a despesa também aumentou no ambulatório [nas farmácias de rua]. No hospital aumentou mais de 10%, o que é uma loucura, e no ambulatório até aumentou mais a comparticipação do utente do que a do próprio Estado. E isto é outra coisa que nos deve preocupar, não é? O Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito é cada vez menos tendencialmente gratuito.

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