Chefes de Estado apontam Tarrafal como exemplo daquilo que nunca mais se quer

Marcelo Rebelo de Sousa participou na cerimónia que assinala os 50 anos da libertação dos presos do “campo da morte lenta”

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado dos seus homólogos de cabo-verdiano, José Maria Neves (C), da Guiné-Bissau, Umáro Embalé Sissocko (E), e o ministro da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria de Angola, João Ernesto dos Santos (D), durante a colocação de flores em homenagem aos mortos no Tarrafal, nas comemorações dos 50 anos da libertação dos presos do Campo de Concentração do Tarrafal, símbolo da violência da ditadura colonial portuguesa, Tarrafal, Cabo Verde, 01 de maio de 2024. NUNO VEIGA/LUSA Nuno Veiga / LUSA
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Os chefes de Estado que celebraram esta quarta-feira os 50 anos da libertação dos presos políticos no Tarrafal, Cabo Verde, apontaram o antigo campo (hoje, museu) como exemplo daquilo que nunca mais se quer.

Ao discursar na cerimónia, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa destacou: “O museu que se quer vivo para testemunhar o que não queremos que seja o presente, nem o futuro”. Uma tarefa essencial, “sobretudo para os jovens de amanhã saberem aquilo que devem rejeitar, sempre: não há confusão possível entre opressão e liberdade, entre ditadura e democracia”, realçou.

O futuro nasce da união no passado, referiu José Maria Neves, Presidente cabo-verdiano, que evocou a revolução de 25 de Abril de 1974 para relembrar que “os povos de Portugal e das colónias estiveram na mesma trincheira” contra a ditadura portuguesa.

“Hoje são novos os desafios e horizontes, numa conjuntura mundial cada vez mais complicada”, apontando como exemplo as vagas migratórias de quem foge da violência e de “novas prisões”, acrescentou, apelando ao reforço da “democracia” com humanidade. A democracia requer “cuidados permanentes” para que “nunca mais se fale de campos de concentração”, concluiu.

O chefe de Estado da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, prestou homenagem, no seu discurso, “inclinando-se” perante a memória dos presos políticos. Da mesma forma, o ministro da Defesa de Angola, em representação do Presidente João Lourenço, enalteceu todas as iniciativas que destaquem a resistência ao regime colonial.

Um grupo de 22 deles, aprisionados na segunda fase do campo, oprimindo anticolonialistas, estiveram presentes hoje. Luís Fonseca, antigo embaixador cabo-verdiano, secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) entre 2004 e 2008, usou da palavra como porta-voz dos presos políticos. O ex-recluso 343 recordou um encarceramento que pretendia fazer desaparecer os ideais de liberdade, mas que produziu solidariedade, pensamento e até poesia e novas canções.

Da mesma forma, pediu que haja solidariedade para com a Palestina, numa alusão ao conflito na faixa de Gaza, considerando que a ofensiva de Israel parece colocar apenas como opções “o extermínio ou o exílio”, de formas semelhantes às práticas da era colonial portuguesa. Para que não haja mais “tarrafais”, importa que novas gerações visitem o antigo campo do Tarrafal, hoje Museu da Resistência, que cumpre preservar e desenvolver, defendeu.

À tarde, os presidentes realizam uma visita guiada ao campo e as comemorações do dia terminam com um concerto com Mário Lúcio (Cabo Verde), Teresa Salgueiro (Portugal), Paulo Flores (Angola) e Karyna Gomes (Guiné Bissau), com entrada livre.

Mais de 500 pessoas que estiveram presas no "campo da morte lenta". Um total de 36 pessoas não sobreviveu, a maioria, 32 mortos, eram portugueses que contestavam o regime fascista, presos na primeira fase do campo, entre 1936 e 1956.

O campo reabriu em 1962 com o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom, destinado a encarcerar anticolonialistas de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde – altura em que morreram dois angolanos e dois guineenses. A libertação de quem se opunha ao Estado Novo aconteceu poucos dias depois de o regime fascista ter sido derrubado com a revolução do 25 de Abril de 1974 em Portugal.

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