Mão de santo

Quem já entrou no Hospital de Bonecas, na Praça da Figueira, em Lisboa, viu com certeza a quantidade de santos cujas mãos foram partidas e que estão lá à espera de conserto.

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Quem já entrou no Hospital de Bonecas, na Praça da Figueira, em Lisboa, viu com certeza a quantidade de santos cujas mãos foram partidas e que estão lá à espera de conserto. As pessoas crêem que assim, ao partir uma das mãos às imagens dos santos, os pressionam a concretizar os pedidos que lhes fazem. Como se, com este gesto, os ferissem ou magoassem, acrescentando a isso a ameaça de os santos ficarem manetas caso não se mostrem indulgentes. Se correr bem, e só nesse caso, serão enviados para o hospital para serem curados, para que lhes reponham a mão em falta e regressem à sua integridade física original. Supõe-se que a escolha da mão tenha que ver com a facilidade de partir uma parte do objecto onde este é mais frágil — e não pelo simbolismo, uma vez que a mão é símbolo do gesto (também literal), de acção e de ajuda: é o que significa "dar uma mão". A São também optou por esta prática de extorsão religiosa, partindo a mão duma estátua de Santo António, e ao fazê-lo feriu a sua própria, chupou o sangue, pôs um penso, disse o responso, fumou um cigarro para descontrair, bebeu um copo de medronho para descontrair, e depois colocou o santo ao relento, à chuva, ao frio, para maior pressão e celeridade: que a sua filha voltasse, aparecesse sã e salva. Repetia o nome da Ana, baixinho para não despertar a maldade, num murmúrio, para não incomodar o cosmo. Queria fazer-se ouvir somente pelas potências boas e não pelas más, um exercício difícil, fazê-lo sussurrando mas com essência de grito.

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