Arkádina

Talvez por ser mais experiente, entendia sem dificuldade as fraquezas do corpo, também ela as tivera. O corpo é apenas um copo que se enche ou esvazia consoante as necessidades.

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Papel de mulher: Arkádina Pexels / Cottonbro
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Quão ridícula é uma mulher de meia-idade quando se apaixona por um homem mais jovem? Arkádina previu o pensamento da maioria, mas não quis saber. Apaixonou-se por Trigorin assim que lhe deitou os olhos, a boca e as mãos. Um homem mais jovem, é verdade, mas também um escritor talentosíssimo e célebre. Não era uma pessoa qualquer.

Os dois pertenciam à crème de la crème das artes, eram ambos bem-sucedidos: ela como actriz, ele como dramaturgo e escritor. Entendiam-se bem tanto à mesa como na cama. Há anos que estava tudo perfeito. Obviamente com um ou outro desaguisado, mas nada que pudesse pôr em causa a relação. A satisfação deste casal de artistas estava, porém, ameaçada por outra mulher. Uma rapariga aspirante a actriz, Nina.

No início não quis dar-lhe importância, afinal não passava de uma rapariguinha deslumbrada com a fama e por quem o filho de Arkádina se tinha apaixonado. Nunca pensou que uma miúda pudesse abalar a relação com o homem que amava. Afinal de contas, tinha-se em alta estima, era uma mulher madura mas bela, confiante e respeitada pela sua carreira no teatro. Nunca pensou que o homem que amava pudesse apaixonar-se por uma tola com idade para ser sua filha.

Também nunca previu ter de ajoelhar-se aos pés de um homem mais novo. Quando foi confrontada com a verdade, que ele a iria deixar para ficar com a rapariga, Arkádina suplicou, tentou todos os argumentos para dissuadi-lo. Foi em vão que passou pela humilhação de mendigar amor onde este já não existia.

Durante um ano sofreu com a ausência do homem que amava, mas estava certa, conhecendo-o como sentia que o conhecia, que se fartaria da rapariga assim que a febre da carne esmorecesse. Por isso, prosseguiu com a sua vida. Novos espectáculos, um amante de vez em quando para lhe afagar o corpo e o ego, e sempre a certeza de que Trigorin voltaria, certa de que o amor dos dois ainda não fora extinto.

Assim foi. Pouco mais de doze meses passados, Trigorin voltou. A rapariga tinha engravidado e perdera o bebé. Nina não perdera apenas uma criança, perdeu a única coisa que os mantinha juntos: a alegria da juventude. Em vez de uma rapariga alegre tornara-se uma mulher deprimida e escura. Trigorin não resistiu a voltar para a cama da mulher do passado.

Arkádina não demorou a perdoá-lo. Talvez por ser mais experiente, entendia sem dificuldade as fraquezas do corpo, também ela as tivera. O corpo é apenas um copo que se enche ou esvazia consoante as necessidades. Embora andasse desgostosa durante o ano em que esteve sem o homem que amava, conseguia perdoá-lo. Tinha maturidade para saber que só se perdoa o imperdoável. O que Arkádina não esperava é que o maior desgosto da vida viesse do outro homem que amava, o seu filho adulto. Quando este quis deixar de viver, Arkádina soube que a sua vida também acabara. Tudo o resto, o amor, o teatro, tornou-se insignificante.

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