Um ano depois do IVA zero: o que aprendemos e o que não aprendemos com a medida?

A medida levou a uma redução dos preços? As reduções no IVA são a melhor forma para lidar com os efeitos do aumento do custo de vida?

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Há exatamente um ano, o Governo português isentou de IVA um conjunto de produtos alimentares. Não é um caso único na Europa. Nos últimos anos, vários países têm recorrido a reduções ou isenções deste imposto como ferramenta para reduzir a inflação ou mitigar os seus efeitos adversos. Tendo a medida terminado em janeiro deste ano, é necessário avaliá-la, o que envolve responder a duas perguntas:

  • Em primeiro lugar, a medida levou a uma redução dos preços?
  • Em segundo lugar, reduções no IVA são a melhor forma para lidar com os efeitos do aumento do custo de vida?

A resposta à primeira é sim e a resposta à segunda será, muito provavelmente, não.

Num estudo do qual somos coautores, com Ricardo Duque Gabriel, economista do Federal Reserve Board, e João Quelhas, economista do Banco de Portugal, analisamos o efeito que esta medida teve nos preços. Para tal, recorremos a uma base de dados diária com os preços de venda fixados nas plataformas online dos principais retalhistas a operar em Portugal.

As nossas conclusões são as seguintes. Por um lado, quando a redução de IVA foi anunciada a 24 de março de 2023, houve um aumento antecipado de 1,3% dos preços dos produtos com IVA zero face aos restantes produtos alimentares. Por outro, na sua implementação, a 18 de abril de 2023, os retalhistas refletiram quase completamente a queda do IVA nos seus preços online. Finalmente, quando a medida terminou, a 5 de janeiro de 2024, tendo os preços voltado à taxa de 6%, a subida dos preços foi menor do que a subida do IVA. Isto aconteceu porque os supermercados tinham realizado um aumento dos preços algumas semanas antes.

A trajetória dos preços dos bens no cabaz do IVA zero regressa, assim, à trajetória que tinha antes da medida, como pode ser visto na figura. Combinando a antecipação aquando do anúncio com a descida na implementação da medida, os retalhistas passaram para os consumidores cerca de 75% da queda do IVA. Estima-se que esta política reduziu a inflação mensal entre 0,5 e 0,7 pontos percentuais entre os meses de abril e maio de 2023.

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Face a outras experiências de reduções do IVA, estimamos que o caso português foi daqueles em que uma maior percentagem do corte do IVA foi passada para os consumidores. A menor absorção por parte dos retalhistas poderá dever-se, em primeiro lugar, à atenção mediática que o IVA zero recebeu em Portugal, com os órgãos de comunicação social frequentemente nos supermercados a reportar a evolução do preço do cabaz do IVA zero.

Em segundo lugar, diversos estudos mostram que as pessoas prestam mais atenção aos preços em alturas de maior inflação, o que poderia implicar maiores custos reputacionais para os supermercados caso não passassem o IVA zero para os consumidores. Isto poderá ser ainda mais notório no caso das plataformas online onde é muito fácil comparar diferentes preços.

Em terceiro lugar, os acordos assinados pelo Governo com agentes ao longo da cadeia de valor alimentar, desde a produção à distribuição, poderão ter contribuído para uma maior transmissão das vantagens da medida para os consumidores.

Finalmente, a partir de finais de março de 2023, os preços dos produtores nos mercados abastecedores estavam em queda, o que pode indicar uma redução dos custos dos retalhistas, permitindo-lhes aumentar as margens e passar uma parte significativa da redução do imposto em simultâneo.

O nosso estudo responde portanto, à primeira pergunta no início do texto e conclui que esta medida reduziu os preços para os consumidores além do que seria esperado, tendo em conta o que sabíamos de estudos anteriores.

Para responder à segunda pergunta, sobre se esta é a melhor forma para lidar com a inflação e mitigar os seus efeitos, é preciso comparar esta medida com outras políticas que poderiam ter sido implementadas com o mesmo custo.

A melhor literatura económica disponível à data diz-nos que, de forma geral, transferências diretas para as famílias mais pobres, que são as mais afetadas pelo choque inflacionista, são melhores do que cortes no IVA aplicados a toda a população, por vários motivos:

a) São direcionadas especificamente para famílias em situação de pobreza, ajudando a aliviar imediatamente as suas necessidades básicas.

b) Direcionando a totalidade da receita fiscal perdida com o IVA zero para transferências diretas, estas famílias beneficiariam mais, em termos absolutos, dado que o custo do IVA zero foi distribuído por toda a população, e, parcialmente, pelos supermercados.

c) O IVA zero beneficia mais as famílias com maiores rendimentos, que gastam mais nestes produtos em termos absolutos, seja porque consomem mais ou porque consomem produtos mais caros.

d) A redução de impostos indiretos pode levar a distorções na afetação de recursos, já que altera o mecanismo de formação de preços de mercado, possivelmente criando incentivos para o consumo de alguns bens em vez de outros.

Para avaliar, de facto, a eficácia do IVA zero na mitigação da escalada do custo de vida precisaríamos de o comparar com outras políticas. Precisaríamos também de olhar para o comportamento das famílias, nomeadamente como é que diferentes tipos de famílias mudaram as suas escolhas de consumo e poupança. Isto implicaria olhar para outros dados que, infelizmente, não existem ou não são disponibilizados. Sem eles, seremos sempre muito limitados na avaliação de políticas públicas. E sem avaliação de políticas públicas continuaremos ignorantes quando quisermos pensar em políticas semelhantes.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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