Liberdade de partir, liberdade de ficar

Muito tem sido dito e escrito sobre a emigração dos jovens portugueses. Trata-se de uma narrativa que é focada erradamente apenas numa parte da realidade dos jovens que emigram.

Ouça este artigo
00:00
03:35

Liberdade de partir, direito de partir. Liberdade de ficar, direito de ficar. Estas ideias chave são-nos trazidas pelo ex-primeiro-ministro italiano, Enrico Letta, no seu relatório sobre “O Futuro do Mercado Interno da União Europeia”. Foi este mesmo relatório que levou à realização de um Conselho Europeu extraordinário esta semana.

É o mercado interno que torna possível o direito à mobilidade de pessoas, serviços, bens e capitais. No direito à mobilidade das pessoas está a capacidade de viver, trabalhar, viajar num outro Estado-membro que não o da sua origem, beneficiando de todos os direitos e deveres dos nacionais desse país. A título de exemplo, se estiver a fazer Erasmus na Polónia ou a trabalhar na Polónia e ficar doente, terá exatamente os mesmos direitos de acesso à saúde que os trabalhadores ou os estudantes polacos.

Vem isto a propósito do muito que tem sido dito e escrito sobre a emigração dos jovens portugueses. Trata-se de uma narrativa que é focada erradamente apenas numa parte da realidade dos jovens que emigram.

Sim, há jovens portugueses que emigram para encontrar um emprego decente com salário adequado e perspetivas de carreira. Mas também há muitos que o fazem por terem ganho o gosto de viver noutro país. E isto muitas vezes graças a um período de estudos no âmbito do programa Erasmus, o mais emblemático programa da União Europeia.

Direito de partir

Os jovens que tiveram a oportunidade de fazer parte dos seus estudos fora de Portugal construíram redes de relações, ganharam o gosto de viver num ambiente internacional, projetaram depois as suas carreiras em áreas – muitas vezes áreas de ponta – num outro país. Não hesitam, procuram aí um emprego. Emigram. Muitos deles voltam mais tarde a Portugal. São portadores de competências que nos valorizam. Somos um país que é um beneficiário extraordinário destas pessoas e das suas mais-valias. O movimento inverso também existe e é importante: jovens que procuram Portugal para trabalhar e para viver.

Assistimos a estes movimentos na União Europeia. É um direito de que todos beneficiamos pelo facto de Portugal –​ e dos outros 26 países – serem Estados-membros da UE e, portanto, integrarem o mercado interno. Onde todos os europeus têm direito às quatro mobilidades, entre elas a mobilidade das pessoas. Isso é positivo e deve manter-se.

Direito de ficar

Mas, como referi, nem todos os jovens partem apenas pelo gosto ou pela ambição de terem uma carreira, de fazerem a sua vida num outro país. Emigram. Porque ainda não conseguiram encontrar um emprego decente, justamente remunerado em Portugal. Isso sim, resultado de desigualdades que permanecem, desigualdades que decorrem desde logo do sucesso ou insucesso no percurso escolar. Sabemos que os jovens que têm um diploma de ensino superior têm três vezes mais facilidade em encontrar um emprego digno. É aí que é preciso trabalhar para combater as desigualdades no acesso e no sucesso na educação. Mas é preciso também aumentar os salários, fundamental num período da nossa história em que temos no mundo do trabalho as gerações mais qualificadas, mais escolarizadas. Fizeram-se progressos nos últimos anos, mas não são ainda suficientes.

Todos temos o direito de partir, a liberdade de partir. Mas todos temos também o direito de ficar, a liberdade de ficar. Ficar com salários dignos, com uma via decente. É bom podermos beneficiar dos direitos e das liberdades que Abril e a posterior integração europeia nos trouxeram. Nos 50 anos de abril nunca será demais lembrar isto.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 6 comentários