Uma espécie de papel

Não há paisagem nenhuma que não tenha gravado em si mesma tudo o que nela se passou.

Ouça este artigo
00:00
02:07

Apresento-lhe, disse a Alexandra ao Calvo, o pinhal do meu passado, onde nos tempos sombrios me vinha lentificar, onde a infância tinha o seu momento de infância e saía da austeridade da fábrica de criadas, onde a alegria emergia naturalmente porque era parte natural do ser humano, apesar do mundo triste, e por mais que quisessem enterrá-la no dever, aqui brincava-se. Que palavra esta, senhor Calvo, brincar. Mesmo nos piores contextos, a brincadeira floresce da infância. É aí que surge a vida, despertando do torpor ou da opressão. Os dedos ficavam a cheirar a resina, era o cheiro desses dias, era como a alegria se fixava no corpo, quantas vezes testemunhei as meninas, nos dias seguintes aos domingos passados no pinhal, a levar os dedos ao nariz para tentar encontrar os restos da alegria. Quantas vezes vi a São, já adulta, quando algum dos seus medos se instalava, a cheirar a ponta dos dedos, sem consciência de que esse gesto era a tentativa de ressurreição das poucas tardes alegres que brotaram daquela infância pálida.

Os leitores são a força e a vida do jornal

O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação que estabelece com os seus leitores.Para continuar a ler este artigo assine o PÚBLICO.Ligue - nos através do 808 200 095 ou envie-nos um email para assinaturas.online@publico.pt.
Sugerir correcção
Comentar