Ensino Superior, regresso ao limbo?

A orgânica adotada pelo Governo de Luís Montenegro constitui um retrocesso inexplicável na gestão do sistema de Ensino Superior, nomeadamente na vertente da Investigação Científica.

Ouça este artigo
00:00
04:11

A orgânica do XXIV Governo Constitucional adotou uma estrutura governativa que dispensa a existência de uma pasta do Ensino Superior, seja a nível de ministério ou secretaria de Estado. Trata-se de um modelo repescado ao terceiro Governo de Cavaco Silva (1991-1995), que acabou com a Secretaria de Estado do Ensino Superior (SEES) vigente nos seus dois primeiros Governos (1985-1987 e 1987-1991). No entanto, a Lei Orgânica do seu último Governo viria a sofrer várias alterações, e a partir de 23/1/1993 foi recriada a SEES sob a tutela do ministro de Educação Couto dos Santos, na altura confrontado com as reivindicações dos docentes e investigadores do ensino superior respeitantes à revalorização salarial das carreiras.

Com exceção do período acima referido, todos os Governos Constitucionais atribuíram uma pasta própria ao Ensino Superior. Do I ao XII Governo (Mário Soares, 1976-1978; e Cavaco Silva, 1991-1995, respetivamente), a Lei Orgânica contemplou uma SEES na dependência do Ministério da Educação e Investigação Científica (I e IV Governo), Ministério da Educação e Cultura (II, III e X Governo), Ministério da Educação (V, IX, XI, e segunda metade do XII Governo), Ministério da Educação e Ciência (VI e VII Governo) e Ministério da Educação e das Universidades (VIII Governo).

Os governos de António Guterres (XIII e XIV, 1995-2002) marcaram um ponto de viragem no que respeita à Orgânica do Ensino Superior e Investigação Científica, com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (Mariano Gago), tendo a SEES ficado sob a tutela do Ministério da Educação.

Os governos de Durão Barroso (XV, 2002-2004), Santana Lopes (XVI, 2004-2005), José Sócrates (XVII e XVIII, 2005-2011), Passos Coelho (XIX e XX, 2011-2015) e António Costa (XXI, XXII, e XXIII, 2015-2024), recolocaram o Ensino Superior e a Investigação Científica sob uma tutela única, o Ministério da Ciência e Ensino Superior, o Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior, e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, respetivamente.

A orgânica agora adotada pelo Governo de Luís Montenegro constitui um retrocesso inexplicável na gestão do sistema de Ensino Superior, nomeadamente na vertente da Investigação Científica. Aguardamos ainda a publicação da Lei Orgânica para percebermos quais as competências da secretária de Estado da Ciência, Ana Paiva. Ficará com a tutela da Fundação para a Ciência e Tecnologia e terá a seu cargo as matérias relacionadas com a Investigação Científica nas instituições de ensino superior (ex. a precaridade contratual dos investigadores) e Laboratórios de Estado, coadjuvando o ministro da Educação nessas áreas?

Quando confrontado pela comunicação social sobre este assunto, o ministro Fernando Alexandre defendeu que não é necessário uma Secretaria de Estado para o Ensino Superior por este sistema estar perfeitamente estabelecido e como tal apenas precisar de uma entidade reguladora que garanta os recursos, a saber, o Ministério da Educação. Tudo o resto é remetido para as competências das universidades e politécnicos ao abrigo da autonomia que lhes permitirá cumprir a sua missão. Referindo-se a ele próprio na terceira pessoa, argumentou ainda com os seus galões curriculares: “…o facto de o ministro vir do Ensino Superior e ter a experiência que tem, modéstia à parte, na gestão universitária, não deve ser uma questão”.

A autoconfiança expressa pelo ministro da Educação é de louvar. É verdade que os edifícios do Ensino Superior e Investigação Científica estão estabelecidos e consolidados, fruto em grande parte da visão estratégica de Mariano Gago que sempre defendeu a existência de um ministério e respetiva secretaria de Estado para o Ensino Superior e Investigação, o que só foi conseguido no Governo de José Sócrates e mantido nos governos seguintes do PSD e PS.

Recuar trinta e três anos a uma orgânica inspirada no modelo obsoleto de Cavaco Silva não irá com certeza responder aos desafios do setor nem às aspirações de carreira dos docentes e investigadores.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários