Começar de novo?

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A submissão do desporto a uma agenda higienista e salutogénica, com um assinalável suporte financeiro e lobby político, da indústria farmacêutica, de cadeias comerciais e de uma miríade de empresas, figuras públicas, bloggers e influencers que gravitam em torno dos conceitos de recreio activo, fitness, wellness, etc., expressa um problema no domínio dos valores do desporto que se encontra a montante, mas com uma influência decisiva sobre a forma de praticar, consumir e programar politicamente este bem público.

Essa agenda, que faz sentido no âmbito das políticas para a saúde, não responde aos objectivos específicos do desporto. Não promove a generalização da prática do desporto para além da agitação física e do exercício. Os resultados desportivos no alto rendimento não são valorizados. O esforço, a medida, a regra, a repetição, a perseverança e a superação em contexto competitivo estão ausentes. E a generalização da prática desportiva regular nos vários segmentos populacionais? E a qualidade da formação desportiva? E a funcionalidade e gestão do parque desportivo? E a integridade das competições? Essas parecem ficar para segundo plano se atentarmos aos indicadores europeus. O desporto, quanto mais se aproxima de outros interesses, mais se alheia daqueles que constituem o seu núcleo essencial.

Como já anteriormente escrevemos, Portugal dispõe actualmente de vários planos estratégicos: um Plano Nacional do Desporto Escolar, um Plano Nacional de Ética do Desporto, um Plano Nacional de Desporto para Todos, o Roteiro para uma protecção eficaz das crianças nas políticas em matéria do desporto e um Plano Nacional da Actividade Física. Todos estes instrumentos de planeamento estratégico, quando aprovados, tinham algo em comum: não tinham associado um programa financeiro e uma alocação de recursos que os suportasse.

Contrariamente, diversas modalidades desportivas têm no âmbito das respectivas federações, designadamente em modalidades olímpicas, planos de desenvolvimento quantificados, quer no plano dos objectivos, quer dos meios de suporte.

A explicação é relativamente simples: o planeamento das políticas públicas no sector do desporto e afins, tem sido um expediente usado não para elencar e suportar medidas de política desportiva, mas para fazer do anúncio de medidas a própria política. Só isso pode explicar que programas de desenvolvimento estratégico do sector sejam aprovados e anunciados sem que um dos suportes essenciais à sua exequibilidade, o plano financeiro, seja conhecido. E assim as metas que esses documentos se propõem alcançar raramente passam do papel.

A enfatização do plano em detrimento dos meios tem sido, por isso, um erro e um expediente. E isso, que é imediatamente compreensível em qualquer sector de actividade, parece que no desporto é possível. E, porventura, ajuda a explicar que ao longo de mais de duas décadas o país tenha construído vários planos estratégicos para o desenvolvimento do desporto, alguns de inegável qualidade intelectual e doutrinária, anunciados com a pompa que as circunstâncias exigiam, mas que jazem no cemitério das boas intenções.

Espera-se naturalmente que os novos governantes, que em termos de programa de candidatura eleitoral, defendem a necessidade de um plano estratégico de desenvolvimento desportivo retirem as ilações resultantes das experiências anteriores. E, se a recomendação faz sentido, não deixem de revisitar os anteriores planos estratégicos. Definir futuros possíveis recomenda que se tente compreender porque falharam no passado. Há neles muito a aprender e a aproveitar.

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