“A ayahuasca não é droga para fins auto-recreativos”

A ayahuasca gera sempre ambiguidade, porque não está proibida em si, mas a sua composição inclui uma percentagem pequena de DMT, de utilização ilegal.

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Quem consome ayahuasca não o faz para se divertir num bar ou numa discoteca, para ver um concerto ou um filme, e muito menos para se sentar no sofá a assistir a uma série de debates sobre as dificuldades de governação em Portugal. Aquela beberagem de origem sul-americana, utilizada há séculos pelos índios da Amazónia, não pode ser consumida como se se tratasse de uma droga recreativa.

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Desde logo porque a bebida, que se obtém através da cozedura de duas plantas, uma das quais contém DMT (dimetiltriptamina), uma substância com propriedades psicadélicas e que é proibida pela legislação nacional, tem como consequência uma purga, causa vómitos, tremores e frequentes idas à casa de banho, tudo incompatível com qualquer ambiente festivo.

Em resumo, “a ayahuasca não é droga moderna, nem sintética, nem para fins auto-recreativos e hedonistas, nem social, nem de alarme social, nem causadora de toxicodependência”, corrobora o advogado Nuno Leão, que já defendeu vários arguidos acusados de tráfico de droga por terem sido interceptados na posse daquela bebida. “E quem não apreender isto corre o risco de vir a julgar os cabos pelos começos", acrescenta.

A ayahuasca gera sempre ambiguidade, porque não está proibida em si, mas a sua composição inclui uma percentagem pequena de DMT, de utilização ilegal. Obviamente que a questão não se coloca em países de cultura ameríndia, nos quais os nativos sempre recorreram a plantas com propriedades psicadélicas, como forma de cura ou de contacto com os antepassados.

Isso explica que no Brasil ou nos EUA não exista qualquer entrave à sua utilização em rituais xamânicos, seja a ayahuasca ou o peyote (ou mescal). O herege surrealista Antonin Artaud dedicou a este cacto com propriedades psicoactivas o livro Os Tarahumaras, o nome dos índios do México com os quais praticou o rito do peyote na década de 30 do século passado.

Foi mais ou menos por essa época que os rituais xamânicos com base nas propriedades psicoactivas da ayahuasca se expandiram para fora do perímetro amazónico. Seringueiros provenientes de outras regiões do Brasil, deslocados por razões profissionais para a Amazónia, aderiram a estes rituais e aprenderam-nos, desde a forma como a ayahuasca é produzida até aos hinos utilizados durante as cerimónias.

"Igrejas ayahusqueiras"

Estes principiantes do xamanismo acabaram por transportar os rituais para os meios urbanos e dar origem ao que vulgarmente se designa por "igrejas ayahuasqueiras", com naturais diferenças face aos ritos originais. Estas igrejas internacionalizaram-se e há muito que existem na Europa e em Portugal.

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O facto de não serem reconhecidas como cultos religiosos não lhes permite utilizar a ayahuasca livre de eventuais problemas de importação, uma vez que a beberagem é, na esmagadora maioria dos casos, produzida na bacia amazónica.

A existência de uma maior comunidade sul-americana no país, brasileira especialmente, motivou o surgimento de pequenos grupos ayahuasqueiros, que se debatem, precisamente, com o problema da posse daquela bebida se situar numa zona indefinida.

A este facto deve ser acrescentado outro factor: uma maior procura na Europa de experiências new age, à falta de melhor termo, que tanto pode querer dizer vontade de experimentar algo transcendental como de necessidade terapêutica. Aqui podemos ter dois campos distintos: o primeiro traduz-se pela crescente oferta de retiros para experimentação, nem todos respeitando as regras preconizadas pelo xamanismo; o outro diz respeito às propriedades terapêuticas do DMT, se utilizadas em ambiente clínico controlado.

São cada vez mais os estudos científicos, embora a questão não seja ainda totalmente pacífica no meio psiquiátrico, que sugerem que as chamadas drogas psicadélicas mais clássicas, seja DMT, LSD ou psilocibina, podem ser eficazes no tratamento de depressões resistentes e longas.

Mesmo no caso da ayahuasca, o SICAD, entretanto substituído pelo Instituto para os Comportamentos Adictivos e as Dependências, elaborou um dossier para especialistas e público em geral, em Dezembro último, no qual refere que o seu uso pode ser eficaz no bem-estar emocional e na saúde mental, no tratamento de desequilíbrios e de dependências de substâncias.

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