Serviço militar obrigatório? Talvez não, mas há uma alternativa

A contribuição do Serviço Nacional de Cidadania para o problema dos efectivos militares seria indirecta, mas nem por isso menos importante.

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Era inevitável que a discussão chegasse a Portugal. Desde a invasão de larga escala da Ucrânia pela Rússia, em Fevereiro de 2022, que a Europa ocidental está a acordar do seu longo sono geopolítico. Apesar do choque, e de momentos marcantes como o discurso Zeitenwende (“virar dos tempos”) do chanceler alemão Olaf Scholz, dias após a invasão, não estamos a acordar de uma só vez, nem todos ao mesmo tempo, para as questões urgentes da segurança europeia.

O acordar europeu está a ser um acordar estremunhado, com a excepção dos Estados bálticos e de alguns no leste europeu. Talvez devêssemos ter começado a despertar com o verdadeiro início da invasão da Ucrânia, em 2014, mas cá estamos, e ao longo dos próximos anos não será possível a Portugal evitar debater questões de segurança e defesa.

A recente iniciativa dos chefes do Estado-Maior da Armada e do Exército de pedir que pensemos sobre a reintrodução de um serviço militar obrigatório (SMO) deu um estímulo importante a esta conversa. Os partidos e as juventudes partidárias – e convém incluir os jovens nesta conversa, como em todas as outras – já vieram, na sua maioria, afastar a proposta do SMO. Mas entre o SMO e o que temos agora (o Dia de Defesa Nacional) vai uma grande distância.

Uma alternativa a meio caminho e que atingiria o mesmo objectivo central do SMO é a de um “Serviço Nacional de Cidadania”. Esta ideia, defendida pelo general João Vieira Borges nestas páginas, daria aos jovens a oportunidade de colaborar durante alguns meses com as Forças Armadas (FA), forças de segurança, serviços de segurança ou com entidades da área da saúde.

Há vários modelos, com diferentes tipos de envolvimento e duração. Um exemplo interessante é o Serviço Nacional Universal (SNU) francês, introduzido pelo Presidente Macron e em vigor desde 2021. A componente obrigatória do SNU é de apenas duas semanas, durante as quais os jovens dos 15 aos 17 anos participam em atividades coletivas, seguidas de 12 dias de “missão” junto das suas comunidades. Segue-se uma componente opcional, com serviço de dois meses a um ano.

Esta alternativa resolveria a falta de efetivos das nossas FA? Não, mas o SMO também não o faria. Quer um quer outro seriam na melhor das hipóteses novas ferramentas de recrutamento. No entanto, o desafio principal é a retenção dos efetivos. Não só as carreiras militares não são remuneradas adequadamente para a dedicação e para o risco que envolvem, como têm ainda de competir com um mercado de trabalho internacional disposto a recompensar bem as competências adquiridas nas FA.

A contribuição do Serviço Nacional de Cidadania para o problema dos efectivos seria indirecta, mas nem por isso menos importante: aumentando o contacto dos jovens com questões de defesa e segurança, estaríamos a dar-lhes uma maior sensibilidade para as compreender e as discutir na esfera pública. Só assim, com uma população mais sensível para os desafios geopolíticos emergentes, teremos o apoio popular necessário para os investimentos em equipamento e em pessoal que será necessário fazer nos próximos anos e décadas.

De caminho, um Serviço Nacional de Cidadania também poderia ajudar a melhorar outra vulnerabilidade das nossas FA: a desigualdade de género. Em 2021, as mulheres representavam apenas cerca de 13% do total de efetivos das FA. Progredir em direção à paridade não é apenas importante para a igualdade de género na sociedade em geral, mas também para as próprias FA no desempenho das suas variadas tarefas.

O problema é simples: a nossa sociedade desabituou-se da guerra. Não seria um problema se não houvesse guerra no mundo, mas há, e a melhor defesa é não o fechamento num casulo ilusório, mas sim uma posição construtiva no palco internacional, o que requer não só diplomacia, mas também uma postura militar responsável. Será difícil para Portugal fazer ouvir a sua voz se não for visto como um parceiro confiável na construção e manutenção da paz.

Nem tudo é mau. A coesão nacional não tem sido um problema em Portugal. Neste aspecto, somos um país excepcional, que não tem de se preocupar com lutas internas ou separatismos. Esta é uma grande vantagem no contexto internacional de fragmentação que temos pela frente. Se conseguirmos fortalecer os elos que unem a sociedade civil às instituições militares e de segurança, estaremos ainda mais bem preparados para o que aí vem.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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