Boa sorte, Fernando Alexandre

O novo Governo não parece querer verdadeiramente combater a estigmatização e regime subserviente dos investigadores científicos.

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Megafone P3: Boa sorte, Fernando Alexandre Adriano Miranda
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Todos sabemos que a investigação científica em Portugal é pobrezinha. E todos têm muito boas intenções para tentar resolver essa dificuldade. Por exemplo, todos os programas eleitorais deste ano (à excepção do Chega, como seria de esperar) referem vários desejos nesse sentido, como o aumento do investimento em ciência para 3% do PIB. O problema é que, nos últimos anos, nem o investimento tem chegado a essa meta, nem os governos têm tido a capacidade de resolver problemas estruturais relativos à organização da investigação científica em Portugal: como seja, o centralismo do financiamento na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a manifesta ineficiência na gestão desses fundos e o próprio estatuto dos bolseiros.

Se um bolseiro de doutoramento em Portugal ganha, na prática, 895 euros líquidos por mês, como explica Francisco Viterbo no P3, em países como França, Holanda ou Alemanha ganhará pelo menos duas vezes mais. No caso da investigação pós-doutoral, a diferença agrava-se. Além disso, um investigador em Portugal perpetua-se como bolseiro ao longo de 20, 30 anos de carreira, correndo o risco de perder o vínculo ao fim de décadas de trabalho, como vai suceder dentro em pouco com muitos investigadores. E como se essa precariedade não bastasse, é imposto um regime de exclusividade a todos os investigadores bolseiros – uma aberração jurídica, uma vez que não existe, efectivamente, um vínculo laboral.

Adicione-se os atrasos nos pagamentos e na resposta aos problemas dos bolseiros da parte da FCT, como o PÚBLICO revelou recentemente. Consequentemente, os investigadores portugueses emigram cada vez mais em massa para países onde são devidamente valorizados, tal como podemos observar no estudo “Êxodo de competências e mobilidade académica de Portugal para a Europa” (2021).

Se os governos do PS não conseguiram melhorar este quadro, o que fará o novo governo? Olhemos para o programa eleitoral da AD, que assume agora responsabilidades governativas. A AD quer “criar condições para o regresso de investigadores nacionais radicados no estrangeiro.” Como? Os outros enunciados para o cumprimento deste desígnio são igualmente vagos. Exemplo: “Melhorar a performance e transparência de processos da FCT.”

Por outro lado, há uma grande ênfase na ligação entre a investigação científica e o tecido empresarial, na perspectiva do fomento do emprego científico nas empresas. Mas o que dizer da dita ciência pura? E das Artes e Humanidades?

Ao contrário de outros programas eleitorais, não há uma palavra sobre a organização das Universidades (sobre o famigerado RJIES) e sobre o estatuto do bolseiro (que tipicamente os partidos à esquerda do PS querem revogar) ou até do mecenato científico e diversificação das fontes de financiamento, pelo menos de uma forma mais explícita (uma proposta, ainda que um tanto vaga, da IL). Este financiamento deveria conferir uma certa liberdade e independência aos investigadores. Mas o novo Governo não parece querer verdadeiramente combater a estigmatização e regime subserviente dos investigadores científicos. Quer antes encaminhá-los para empresas com interesses necessariamente estreitos. Isto é, de certo modo, assumir uma derrota.

Para piorar o cenário, Luís Montenegro decidiu aglomerar o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência e do Ensino Superior, sob a alçada do economista e independente Fernando Alexandre, tal como Passos Coelho tinha feito com Nuno Crato. Alexandre terá de responder pela reposição do tempo de serviço dos professores e garantir “condições para o regresso e [retenção] de investigadores nacionais” ao mesmo tempo. Boa sorte, Fernando Alexandre. Não sabemos quanto tempo irá durar o seu Governo, mas os meses que se avizinham não se afiguram fáceis nas suas múltiplas tutelas.

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