Para onde voam os pombos?
1. Há uma tendência para ver no Direito do Desporto um domínio centrado no futebol, quer nas regras legais, quer ainda nas decisões dos tribunais. Aqui, sendo manifesta a maior presença do futebol, não se pode descurar o que ocorre em outras modalidades, até porque de lá irradiam consequências que podem ser de aplicação futura. Hoje noticiamos uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em processo algo complexo, que teve por base situação litigiosa na columbofilia. Não sendo fácil, neste espaço, tentemos dar o seu essencial.
2. O Clube de Futebol Santa Clara não se conformou com decisão do Coordenador Desportivo da Federação Portuguesa de Columbofilia que aprovou o calendário desportivo da Associação Columbófila do Distrito de Coimbra, sob condição de, até 15 de Dezembro de 2022, a estrutura e linha de voo que o mesmo escolhia ser ratificada por deliberação da Assembleia Geral da ACD de Coimbra. A discordância assenta no facto de, entre outras situações, nessa eleição não ter sido cumprida a exigência do artigo 14. °, n.º 11 dos Estatutos da ADC de Coimbra, ou seja, de o candidato a presidente não ter apresentado “um programa de acção com referência, entre outras, às medidas de índole desportiva, designadamente estruturas e linhas de voo dos calendários desportivos para o quadriénio”.
3. A questão chega, em recurso, ao Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que concedeu provimento ao recurso da Federação Portuguesa de Columbofilia com fundamento na incompetência absoluta da jurisdição administrativa para conhecer do mérito dos autos, considerando materialmente competente para o efeito o Tribunal Arbitral do Desporto.
4. Seguiu-se o STA, que admitiu recurso de revista “respeitante ao alegado erro de julgamento do acórdão recorrido [TCAN] quando julgou procedente a excepção relativa a incompetência em razão da matéria, […] como um “litígio que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto”. Diz o STA que o “TCAN não tem razão quando considera que a questão jurídica em apreço é de natureza jurídico-desportiva”.
“Importa apenas sublinhar que o vício que vem alegado e que determina a decisão se centra, exclusivamente, na violação das regras estatutárias relativas às competências e ao funcionamento da associação, tendo razão o TAF de Coimbra quando considera que, tal como foi suscitada judicialmente, a questão decidenda é prévia à questão desportiva”.
5. Assim, a questão essencial é a da violação ou não das regras estatutárias e não a da violação de regras respeitantes à competição desportiva […] Assim, a tutela é a da reposição da legalidade estatutária do funcionamento da associação desportiva, o que justifica a qualificação do litígio como jurídico-administrativo.
“Com efeito, a competência para a apreciação dos litígios sobre alegada violação de regras estatutárias das associações desportivas com reconhecido estatuto de utilidade pública por parte das federações desportivas é da jurisdição administrativa, pois trata-se de um problema de fiscalização de actos praticados por entidades privadas de reconhecido interesse público, no exercício de poderes públicos. E é isso que caracteriza o litígio dos autos, pois o que o requerente questiona não é o plano de voo, o plano desportivo em si, mas sim a violação estatutária que esta subjacente a sua aprovação”.
Nesta medida, impõe-se revogar a decisão do TACN.
6. Muita questão levanta esta decisão. Uma prende-se com a natureza das normas estatutárias federativas. Há quem entenda que são privadas. Haveria, porventura, que equacionar a competência dos tribunais judiciais, nem que fosse para a afastar. Depois, parece que fica a haver dois tipos de decisões administrativas: umas vão para o TAD, outras para os tribunais administrativos.
7. Não está fácil a “coisa”.
josemeirim@gmail.com