Um alerta sobre a água que corre nas veias do planeta

Não me parece que a temática dos transvases de água do Norte para o Sul seja a solução mais correta para a resolução do problema de falta de água no Algarve.

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O dia que hoje celebramos deve ser, cada vez mais, um dia de alerta. O constante estado de degradação dos nossos rios e a acentuação de fenómenos resultantes das alterações climáticas são aspetos que merecem preocupação e que contribuem fortemente para a escassez de água.

Quando falamos deste tema, salta-nos logo um ou outro conceito à memória — que aliás consta em alguns dos recentes programas eleitorais.

A título de exemplo, não me parece que a temática dos transvases de água do Norte para o Sul seja a solução mais correta para a resolução do problema de falta de água no Algarve. Para começar, é algo arriscado e que não vai ao encontro da própria Diretiva-Quadro da Água.

A nível ambiental, os transvases promovem um aumento das espécies exóticas invasoras, devido ao facto de haver uma transferência de espécies entre bacias hidrográficas.

Se olharmos ainda para o panorama económico, o cenário é também insustentável, uma vez que os transvases são obras de custos absolutamente astronómicos e sem garantias de poderem trazer benefícios a longo prazo, muito pelo contrário.

Para além disso, embora o Norte tenha maiores disponibilidades de água, devido ao seu clima — nomeadamente maior precipitação e menor evapotranspiração —, não é de todo correto dizer-se que o Norte tem excesso de água. Como um exemplo prático, no passado recente, a bacia do Douro já esteve com áreas significativas em seca severa ou mesmo extrema. Se considerarmos outras bacias — onde mais chove —, como a do Rio Lima, podemos ainda dar o exemplo da albufeira do Alto Lindoso, que esteve abaixo dos 17% de armazenamento.

A eficiência é, por isso, algo extremamente importante — e ainda mais nos dias que correm. É crucial que sejamos mais eficientes na agricultura — através de melhorias na gestão da rega — e também nos meios urbanos, evitar perdas de água e melhorar a distribuição de água, de uma forma mais sustentável, justa e correta para todos.

A construção de mais barragens também não parece uma solução viável. Os motivos são vários, mas dou exemplo de apenas dois: alteram os ecossistemas, acabando por ser uma barreira para a normal circulação da água, o que afeta as populações piscícolas — especialmente as migratórias —, reduzindo a biodiversidade e as espécies nativas e contribuindo ainda para o aumento de espécies exóticas e invasoras. A segunda razão é bastante visível: as barragens contribuem para a degradação da qualidade da água, acentuando os fenómenos de eutrofização.

Deve-se assim, em alternativa, apostar na melhoria das barragens existentes e, uma vez mais, apostar na eficiência hídrica.

As campanhas de sensibilização e partilha de conhecimento sobre estas temáticas, junto da população em geral, são também de extrema importância, quer através de escolas, institutos politécnicos e universidades, quer de organizações não-governamentais.

Nesta efeméride, que incentiva à reflexão sobre um dos bens mais essenciais que temos, talvez possamos pensar que o caminho passa por se encontrar outro tipo de soluções, mais eficazes, que promovam a preservação dos recursos naturais — nomeadamente a água —, o correto ordenamento do território e a adequação e implementação de culturas agrícolas adequadas às várias realidades climáticas do nosso país.


O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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