Crianças criativas e criadoras: empoderamento pela tecnologia

A criatividade é distintivamente humana, essencial para resolver problemas e inovar.

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Desenho colaborativo, em Procreate, entre três amigas, duas meninas de 7 e uma de 4 anos Clara Vieira Rodrigues
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Março é o mês histórico da mulher, das lutas pela igualdade de direitos. A minha avó, que, no início do século XX, cresceu como filha de uma diretora de escola primária do Porto, contava-me os seus desafios: na ditadura, só para votar precisava da autorização do meu avô. Apesar dos avanços, ainda há entropias: a diferença salarial entre géneros e o acesso a oportunidades profissionais.

Impacto de Estereótipos de Género

A sociedade está impregnada, de forma sistémica, de estereótipos de género, até nas metodologias de pesquisa e design de produtos. No livro User Research with Kids, Thomas Visby Snitker examina a influência de normas culturais e paradigmas nas práticas metodológicas. Por exemplo, se um recrutador de estudos de mercado considerar que o produto é um “brinquedo de menina”, opõe-se a incluir a proporção pedida de 50/50 de meninos e meninas e recruta só meninas. A amostra, distorcida e limitada, compromete as necessidades e preferências dos utilizadores crianças.

Viés da linguagem

Um estudo realizado pelo Grupo Lego, com mais de 61.500 pais e crianças (6-12), em 36 países, incluindo Portugal, revelou que as meninas sentem pressão para serem perfeitas e evitarem erros. Os elogios dados às meninas são com frequência físicos, "lindo, giro, perfeito", enquanto aos meninos são mais ligados à inteligência e habilidade "fixe, genial, inovador". Observou-se que 72% das meninas se sentem inibidas de partilhar ideias e assim limitam o seu potencial criativo e a autoconfiança.

Ensino e criatividade

A criatividade é distintivamente humana, essencial para resolver problemas e inovar. Segundo Tom e David Kelley, autores de Confiança Criativa, as crianças são por natureza curiosas e ousadas, propensas à experimentação; o medo de falhar está enraizado na mentalidade fixa que limita a confiança criativa. No contexto educacional, há uma estigmatização do erro e do pensamento divergente.

Sir Ken Robinson, voz em criatividade e educação, argumenta, na TED Talk mais vista de sempre, que as escolas inibem a criatividade, ele defendia a reformulação do sistema educativo para promover a criatividade tanto quanto a literacia. O sistema educativo tende a valorizar disciplinas “nucleares” em detrimento de outras, artes e educação física. As artes são formas de expressão, estética, simbólica, emocional, e proporcionam um amplo espectro de oportunidades para a experimentação e criatividade e beneficiam a saúde mental.

Apoio e incentivo dos pais à criatividade

As meninas enfrentam desafios no acesso às áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) por estereótipos, menos modelos femininos e pressões sociais. Enquanto pais temos o papel crucial de apoiar a confiança criativa das nossas filhas. Algumas formas de o fazer:

  • Exposição a diferentes formas de criatividade, design, artes, cultura;
  • Atitude DIY ou "faça você mesmo", a mentalidade prática e ecológica de reparar o que se avaria em casa, desenvolve o sentido de autonomia e a resolução de problemas;
  • Dar espaço a que se expressem livre e criativamente, partilhando ideias, opiniões, e autenticidade;
  • Estimular o pensamento de design ou Design Thinking, criativo e divergente: ter ideias, questionar, experimentar e iterar;
  • Exposição à tecnologia, com propósito: passarem de consumidoras passivas a criadoras;

Aprender a programar como nova forma de literacia

É urgente transformar o tempo passivo das crianças no ecrã em tempo de criação. As tecnologias emergentes como a inteligência artificial (IA), estão a alterar a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.

A tecnologia, quando intencional, desenvolve habilidades técnicas e criativas de forma autónoma e auto-dirigida e constrói a confiança criativa e a igualdade de oportunidades. É uma forma de incentivar as meninas a identificarem-se com as áreas STEM, prepará-las para um novo mercado de trabalho e acelerar o progresso no sentido de uma sociedade mais equitativa.

Os algoritmos estão em todo o lado, o pensamento computacional é quase tão fundamental como ler e escrever. No mundo pós-moderno, aprender a programar é uma forma de literacia.

Para começarem a programar experimentem o Octostudio, sucessor do Scratch, a linguagem de programação visual desenvolvida pelo MIT para as crianças (6-16 anos), criarem jogos, animações e histórias interativas, de forma intuitiva. O Octostudio, foi especialmente criado para dispositivos móveis, é gratuito, livre de publicidade e de compras in-app. As crianças podem usar os seus desenhos, imagens e sons na aplicação e até criar interações com o mundo físico.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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