Porque é que há partidos que ficam sempre à porta?

Nenhum dos partidos que conseguiram representação parlamentar precisou de mais do que duas eleições para entrar na Assembleia. Se os eleitores não aderem à novidade, dificilmente virão a aderir...

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À medida que nos aproximamos de dia 10 de março, torna-se evidente que há partidos políticos com uma probabilidade quase certa de ter deputados eleitos e outros com uma probabilidade quase nula. “Não, não acredito”, admitiu o presidente do Nós Cidadãos, um dos partidos sem representação parlamentar que se apresentam pela quarta vez a eleições legislativas, quando questionado sobre se acreditava na possibilidade de eleger um deputado. Por que razão é que alguns partidos perdem sucessivamente eleições?

Raramente há uma segunda oportunidade para deixar uma boa impressão

São 11 os partidos que poderiam teoricamente estrear-se no Parlamento este ano, no entanto esse cenário é improvável para quase todos eles. Uma análise histórica mostra que nenhum dos partidos que conseguiram representação parlamentar precisou de mais do que duas eleições para entrar na Assembleia da República. A maioria (81%) teve sucesso logo na eleição de estreia e os restantes (19%) na segunda. Isto sugere que ou os eleitores se deixam persuadir assim que os partidos surgem, ou é mais difícil convencê-los nas eleições seguintes.

O Nova Democracia (ND) é o único partido que se estreia nesta eleição sozinho (a coligação Alternativa 21 também é nova, mas é composta por dois partidos que já concorreram sozinhos, o Movimento Pela Terra (MPT) e o Aliança (A)). O Volt Portugal (VP) não é estreante, mas concorre apenas pela segunda vez, o que lhe permite manter alguma expetativa de eleição. Para os restantes, que já concorreram a duas ou mais eleições legislativas, a perspetiva não é animadora. Para além disso, os seus resultados têm vindo a piorar – de 2019 para 2022 os partidos menores juntos perderam mais de 110 mil votos – o que aliás contraria a tendência internacional.

Se nenhum conseguir eleger qualquer deputado no dia 10 de março, ascenderá a 35 o número total de partidos que até hoje ficaram à porta do Parlamento.

A importância de ser eleito

Estar fora do Parlamento coloca os partidos numa posição de desvantagem imediata. A entrada na Assembleia da República significa mais recursos financeiros (a partir de 50 mil votos têm direito a uma subvenção), maior visibilidade e mais oportunidades de clarificação ideológica. Em Portugal, os partidos que estão fora do Parlamento começaram a ter acesso aos media a partir de 2011, e isso parece ter tido um efeito imediato positivo, já que quase todos conseguiram captar mais votos nesse ano, ou pelo menos manter os que tinham. No entanto, não conseguiram segurar os resultados nas eleições seguintes.

Entre os partidos que entraram depois de 1976, passou-se o inverso, ou seja, quase todos tiveram um crescimento médio de 2,4% entre a eleição de estreia e a segunda eleição, fruto das vantagens mencionadas. Houve apenas dois partidos que não conseguiram resistir e desapareceram, o PRD de Ramalho Eanes e o PSN de Manuel Sérgio.

Caminho para a (ir)relevância

Integrar coligações com partidos maiores podia ser a melhor forma de mostrar relevância e obter benefícios, mas não é necessariamente assim. Tanto o PS como o PSD já formaram coligações com partidos mais pequenos, mas muitos deles não conseguiram manter-se relevantes e nalguns casos desapareceram por completo.

Este ano há três partidos para quem integrar uma coligação com um partido maior não é garantia de reeleição. Se o CDS tem o seu regresso garantido por estar coligado com o PSD, o mesmo não se pode dizer dos outros dois. Para o PPM, que integra a mesma coligação, essa certeza é menor, já que a distribuição dos assentos depende dos resultados em eleições anteriores e a média de votos deste partido sozinho é de 0,34%. Também o PEV, que concorre, como sempre, com o PCP na coligação CDU, quase seguramente não voltará ao Parlamento, tendo em conta as sondagens.

Força na derrota: o espírito resiliente dos partidos menores

Parece evidente que entrar no Parlamento português não é fácil. “Pode haver um milagre”, afirmava o líder o Ergue-te em 2022, poucos dias antes de encarar a sua sétima derrota em eleições legislativas. De facto, o número de partidos que se apresentaram a eleições e nunca conseguiram eleger deputados é quase o dobro dos que conseguiram. Mas isso não os impede de sobreviver em média 16 anos, uma resiliência que não parece estar associada à convicção de que vão conseguir eleger. “Reforçar o partido e denunciar a farsa do sistema capitalista” é, por exemplo, o objetivo apontado por Cidália Guerreiro, do PCTP/MRPP, para 2024.

Isto é tanto mais impressionante quanto se considerarmos que, entre os 34 partidos que nunca elegeram ninguém, apenas seis conseguem ou conseguiram obter mais do que 1% dos votos. Muitos têm em comum o facto de terem surgido nos anos 1970, com destaque para os que resultam de dissidências ou fusões. O melhor resultado de sempre foi alcançado em 1980 pela coligação entre o POUS (o partido de Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues expulsos do PS) e o PST. Obtiveram uns impressionantes 1,38% e ficaram e escassos votos de eleger um deputado. O mesmo aconteceu com o PSR em 1991, um dos partidos que estão na origem do BE. Mais recentemente, sob a liderança de Garcia Pereira, também o PCPT/MRPP esteve perto de conseguir um deputado, quer em 2011, quer em 2015.

O fim do estigma da direita?

Houve dois grandes períodos em que surgiram novos partidos: o primeiro após o 25 de abril, com a emergência da democracia, e o outro depois de 2008, com a crise económico-financeira. A grande diferença entre estes dois períodos está na ideologia: se no início da democracia os partidos menores eram maioritariamente de esquerda, no período pós-2008 eles passaram a ser maioritariamente de direita. Esta alteração parece resultar do fim do estigma associado a ser de direita. Historicamente, os partidos de direita tinham relutância em apresentar-se como tal devido ao estigma herdado da ditadura, mas isso parece estar a mudar, levando a que os partidos se afirmem cada vez mais abertamente nesse campo ideológico.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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