Interrogatórios de detidos devem passar a ser feitos por juiz titular do processo

Turnos de juízes fora de férias e fins-de-semana deverão passar a ter que ser aprovados pelo Conselho Superior da Magistratura. Órgão discutiu esta terça-feira alterações, mas só toma posição em Abril

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Reunião do plenário do Conselho Superior da Magistratura decorre esta terça-feira em Lisboa. Rui Gaudencio
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Os interrogatórios de arguidos detidos deverão passar a ser feitos pelo juiz de instrução titular do processo e não por um magistrado de turno a quem o caso seja distribuído, como acontece no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, ou no Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto. Esta e outras alterações vão ser discutidas esta terça-feira pelo plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), em Lisboa.

Já após a reunião, fonte oficial do CSM confirmou ao PÚBLICO que foi discutida esta terça-feira o sistema de turnos de processos criminais, tendo sida remetido a decisão para o próximo plenário, a realizar-se em Abril, "após mais detalhada afinação de critérios no todo nacional". O conselho adianta que os juízes-presidentes das 23 comarcas serão ouvidos nessa reflexão, em reunião marcada para 21 de Março.

A prática existente em vários tribunais faz com que, mesmo em inquéritos em que se investiga criminalidade altamente complexa ou organizada, quando há arguidos detidos – normalmente fora de flagrante delito – os primeiros interrogatórios sejam feitos pelo juiz que está de turno ou, quando existe mais do que um (como em Lisboa), sorteado entre estes. A regra, que pretende dar mais previsibilidade à vida profissional dos juízes e evitar que sejam obrigados a adiar diligências, está a ser posta em causa.

As dúvidas suscitadas estão relacionadas com o facto de o juiz que vai ouvir os detidos e aplicar-lhes as respectivas medidas de coacção muitas vezes não conhecer rigorosamente nada do inquérito em que é chamado a decidir. Foi isso mesmo que aconteceu no processo que levou à detenção do ex-presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, do empresário Avelino Farinha, líder do grupo AFA, e do presidente executivo do grupo Socicorreia, Custódio Correia.

Os três arguidos acabaram por estar detidos durante 21 dias, tendo no final o juiz de instrução Jorge Bernardes de Melo decidido libertá-los por entender que não existiam indícios de qualquer crime. Os arguidos saíram sujeitos à medida de coação mínima, o simples termo de identidade e residência, que implica que o suspeito disponibiliza ao tribunal uma morada onde pode ser notificado. Se se ausentar por mais de cinco dias desse local, deve informar o tribunal do lugar onde pode ser encontrado.

No caso da Madeira, a juíza de instrução titular do caso estava de baixa. No entanto, em vez de ser o seu legal substituto a fazer as diligências foi um outro juiz que estava de turno no dia em que os arguidos foram apresentados no tribunal central.

Este não foi o único aspecto a retardar os interrogatórios, uma demora que levou as três procuradoras que investigam os casos da Madeira a apresentar uma exposição ao CSM nove dias após a detenção dos arguidos. Apesar de quando a Procuradoria-Geral da República tornou pública essa participação, o CSM tenha garantido ao PÚBLICO que não tinha sido equacionada a abertura de um processo de averiguações ao juiz nem se previa que tal viesse a acontecer, é provável que essa questão seja discutida na reunião desta terça-feira, como apurou o PÚBLICO junto de vários conselheiros.

O órgão de gestão e disciplina dos juízes já estava há vários meses a analisar a questão dos turnos que vários tribunais organizam, não apenas na área da instrução criminal, mas também nos juízos que julgam a pequena criminalidade ou na família e menores.

Turnos só com aval do CSM

A base da discussão desta terça-feira será um parecer técnico feito pelo Gabinete de Apoio do CSM, onde se propõe que a organização de turnos fora de férias, fins-de-semana e feriados em qualquer tribunal terá que ser previamente aprovada pelo conselho. É igualmente sugerido que quando o processo é atribuído a um juiz (numa determinada fase processual) deverá ser esse magistrado a praticar todos os actos durante aquela fase. A ser aprovada, esta proposta implicará alterações ao funcionamento de alguns tribunais.

A prática que existe no TIC do Porto chegou a posta em causa por advogados que sustentavam que, conhecendo previamente os juízes que estavam de turno, o Ministério Público podia escolher o dia em lançava uma operação de detenção de suspeitos fora de flagrante delito, acabando por seleccionar desta forma o juiz de instrução. Nem a Relação do Porto nem o CSM reconheceram qualquer violação do princípio do juiz natural, apesar de, numa primeira fase, se ter percebido que os turnos tinham sido combinados sem autorização do presidente da comarca, nem do conselho superior, que acabaram mais tarde por dar o aval.

Notícia actualizada às 17h40 com resultado da reunião do CSM

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