Estórias da Cidade: o colectivo que revela as pessoas e os costumes de Braga
Nas redes sociais, o colectivo Estórias da Cidade partilha estórias de pessoas e costumes bracarenses para construir a memória da cidade. O resultado está patente numa exposição que inaugurará sábado.
“O dia de 25 de Abril de 1974 começou mais cedo na Escola de Fuzileiros de Vale de Zebro. Foi acordado de madrugada, […] o seu destino seria a rua António Maria Cardoso, as instalações da PIDE/DGS […]. Na despensa, Henrique conheceu pela primeira vez o significado da palavra “abundância”: fardos de bacalhau e […] tudo o que sempre lhe havia sido negado a si e aos outros, em todas as Ruas de Baixo, por esse país fora”. O excerto é retirado de “Henrique Ferreira, o amigo do rio”, a história de Henrique narrada pela filha, Patrícia.
Patrícia sentou-se com o pai e destapou-lhe facetas que só a intimidade, guiada pela responsabilidade de a conversa se tornar pública, permitia. Conheceu-lhe a infância, a ligação aos rios Este e Cávado, em Braga, e as memórias do 25 de Abril. “Percebi como foi o 25 de Abril dele a propósito desta entrevista. O facto de termos parado para falar, olhos nos olhos, ganhou outro peso”, conta Patrícia.
A história de Henrique, acompanhada de uma fotografia, é uma das milhares que o projecto Estórias da Cidade reúne, desde 2019, nas suas páginas de Facebook e Instagram. A iniciativa partiu de um encontro de bracarenses empenhado em preservar a memória viva de Braga através de textos, fotografias, vídeos e desenhos de pessoas e tradições da cidade. No sábado (16h00), o colectivo vai inaugurar uma exposição, que ficará patente até 8 de Setembro, na torre medieval do Museu Pio XII, reunindo 200 trabalhos – entre fotografias, entrevistas, desenhos e vídeo.
O colectivo Estórias da Cidade é composto por Carlos Teixeira (fotografia), Isabel de Moura (texto e fotografia), Joana Páris Rito (texto), José Santos (fotografia), Patrícia Ferreira (desenho e texto), Roberto Fantinel (fotografia e vídeo) e Selma Gören (fotografia e texto), que se juntaram para “construir um mapa, com base no sentimento e nos caminhos que cada um faz pela cidade de uma forma espontânea.” O objectivo, refere Patrícia, “não é fazer a história da cidade numa perspectiva rigorosa ou científica”.
As publicações contam a história de pessoas, normalmente cruzando texto e fotografia, e dos mais variados costumes de Braga. “Procuramos que o projecto seja o mais heterogéneo possível, que abrace várias sensibilidades e várias pessoas, porque a cidade é mesmo isso: é um corpo vivo, em que todos encaixamos como peças.”
Ao contrário do encontro entre Patrícia e Henrique, em que pai e filha se sentaram frente-a-frente, as histórias apresentadas em Estórias da Cidade confrontam desconhecidos pela primeira vez. É o jogo entre entrevistador e entrevistado que resulta num objecto perene. “Muitas vezes não conhecemos o nosso interlocutor e essa pessoa está a confiar em nós, que levaremos a ‘estória’ ao papel. É muito séria essa responsabilidade.”
Os relatos publicados são de ilustres do quotidiano bracarense – como o publicado em 2020 de Melinha, célebre adepta do Sp. de Braga falecida em 2022 -, mas também de pessoas menos conhecidas. Em comum, tem de constar uma “boa história”. “Há pessoas que conhecemos pessoalmente, outras chegam-nos por recomendação, através de mensagens ou por sugestão de outros entrevistados. Não somos nós que procuramos as ‘estórias’, nem procuramos determinado perfil.”
Tenta-se, no entanto, dar destaque a “pessoas que não aparecem nos jornais”, a bracarenses que estão vivos e que merecem que a sua história, da infância ao presente, seja partilhada. “São entrevistas quase em jeito de homenagem a pessoas que estão cá, prontas a receber o carinho da comunidade”. E os familiares agradecem: “Há netos que só conheceram os avós enquanto pessoas de idade. O facto de lhes darmos a conhecer os avós como jovens permite um outro olhar”, refere Patrícia. Através de pessoas ou de celebrações, o colectivo quer deixar um “legado de uma cidade viva para o tempo que virá”.