MP pede condenação por “documento falsificado” de coronel que dirigia Comandos no ano do curso fatal

Coronel Dores Moreira foi acusado de falsificação de documento em co-autoria com outro oficial dos Comandos. Advogados de defesa pedem a sua absolvição.

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Coronel Dores Moreira à saída do tribunal em 2022 Daniel Rocha
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A defesa do coronel Luís Filipe Dores Moreira considerou “inconcebível” a tentativa de responsabilizar o antigo comandante do Regimento dos Comandos num inquérito que foi aberto depois de terminada a investigação às circunstâncias das duas mortes no curso 127 desta tropa especial; o advogado qualificou ainda de “dolosa” a linha de orientação do Ministério Público (MP) ao acusar o seu cliente por falsificação de documento em co-autoria com o adjunto da Secção de Formação do regimento da Carregueira, à data dos factos, o major Raul Sousa Pinto.

Sem surpresas, nas alegações finais que decorreram nesta terça-feira no Tribunal Local Criminal de Lisboa, os dois advogados, de Dores Moreira e de Sousa Pinto, pediram a absolvição dos seus arguidos.

“Os alvos” do Ministério Público

Numa demorada intervenção, as críticas que lançou ao MP e, em particular, aos procedimentos da Operação Influencer, serviram de mote para denunciar "aquela que tem sido a linha de orientação do MP de valorar os indícios contra os arguidos e de desvalorizar os indícios a favor", como havia acontecido no caso de Dores Moreira, alegou.

O MP tinha definido "como alvo o Regimento dos Comandos", mas não estando o coronel Dores Moreira no Campo de Tiro de Alcochete onde se realizou a prova fatal de 2016, "teve de se arranjar uma coisa" para o acusar, disse o advogado. E considerou que não tinha ficado provado o crime de falsificação: "A prova pericial determinou que não é possível concluir quem alterou o documento."

Quem lidera "tem sempre responsabilidade quando alguma coisa corre mal", disse o advogado, tendo, no caso de Dores Moreira, levado à interrupção imprevista da sua "prestigiada carreira" quando estava prestes a ser promovido de oficial superior a oficial general, o que nunca veio a acontecer.

Desidratação e golpe de calor

Na origem da suspeita estava o Guião da Prova Zero que o coronel enviara aos investigadores do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), para dar entrada no processo como elemento de prova, pouco tempo depois das mortes de Hugo Abreu e Dylan da Silva, e no qual consta também a informação do consumo de água autorizado aos instruendos durante esta que é a prova mais exigente do curso.

Essa informação revestia-se de particular importância para a investigação, conduzida com a colaboração da Polícia Judiciária Militar, porque em causa estava a convicção de que a desidratação num quadro de esforço físico intenso e calor extremo tinha sido fatal.

O documento que foi entregue por Dores Moreira indicava uma quantidade de água permitida para consumo por dia por instruendo (cinco litros) superior àquela que era habitual, tida como referência em cursos anteriores e mantida também neste curso (três litros), e isto teria acontecido, segundo o MP, para desresponsabilizar o regimento pelas consequências de se restringir o consumo de água, uma forma de se “treinar a sede” na perspectiva de se prepararem os recrutas para resistirem a circunstâncias adversas num teatro de guerra.

MP dá como provado

A denúncia da entrega de um guião falso partiu de um dos principais acusados do processo principal, o director da Prova Zero, tenente-coronel Mário Maia, que acabou por ser absolvido no processo principal depois de a acusação considerar que estava entre os três responsáveis do curso que poderiam ter evitado as mortes se, entre outras coisas, tivessem ajustado a quantidade de água permitida às temperaturas a rondar os 40º graus Celsius no primeiro dia da prova.

Nas alegações desta terça-feira, a procuradora pediu a condenação dos dois arguidos pelo crime de falsificação de que vinham acusados (e pronunciados para irem a julgamento) por concluir que foi feita prova documental e testemunhal em julgamento.

A magistrada disse que, de acordo com os depoimentos em julgamento, “todas as testemunhas da acusação foram unânimes ao afirmar que havia divergências entre os dois documentos, comparando um e outro”, isto é, entre o guião da prova que foi entregue para a investigação e o utilizado durante a prova. As testemunhas foram, em grande parte, os instrutores e responsáveis do curso 127, entre os quais o tenente-coronel Mário Maia.

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