ICOM indignado exige respostas sobre saída da Descida da Cruz de Domingos Sequeira

Secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus questiona a autorização dada pela tutela à exportação da pintura e pede esclarecimentos sobre as diligências em curso para a compra desta obra.

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A pintura Descida da Cruz, de Domingos Sequeira WIKICOMMONS
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A secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus (ICOM-Portugal) manifesta-se indignada perante o processo que levou à saída do país da obra Descida da Cruz, de Domingos Sequeira, e exige respostas ao Governo.

Numa carta pública datada da passada quinta-feira, dia 15 de Fevereiro, e divulgada no domingo, o presidente do ICOM-Portugal, David Felismino, pergunta ao ainda ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e à secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, quais os esforços que estão a ser realizados para adquirir a pintura, assim como das obras Ascensão e Juízo Final, do mesmo autor e igualmente na posse de proprietários privados.

"O ICOM-Portugal não pode deixar de expressar, de forma pública, a sua profunda indignação pela forma como este processo foi conduzido, gravemente lesiva do património cultural português. Domingos Sequeira, nome que ecoa através das páginas da história da arte portuguesa, deixou uma marca indelével como um dos pintores mais notáveis do século XIX, não só a nível nacional como europeu", pode ler-se no final da carta, disponível na íntegra no site daquela entidade.

O presidente do ICOM-Portugal traça a sequência de acontecimentos desde o pedido, feito em 2 de Novembro à então Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), para que o quadro saísse do país, tendo em vista uma "possibilidade de venda na Galeria Colnaghi, em Madrid", e questiona se os trâmites legais foram cumpridos. Lembra, a propósito, que o director do Museu Nacional de Arte Antiga, Joaquim Caetano (e também subdirector, por inerência, do recém-criado instituto público Património Cultural, que herdou parte das competências da DGPC), deu um parecer negativo ao pedido e propôs a classificação da obra como bem de interesse nacional, a par das outras duas da mesma série ainda na posse de privados, recomendando a compra de Descida da Cruz.

Dentro da própria DGPC, indica a carta, surgiria dias depois uma proposta de classificação da obra, que veio a ser rejeitada pelo director-geral, João Carlos dos Santos (hoje dirigente do instituto público Património Cultural), por não ser "oportuna" a abertura do processo.

"Este relato, apoiado e documentado pela consulta dos elementos processuais que conduziram à expedição temporária da obra Descida da Cruz, evidencia, na opinião do ICOM-Portugal, nalguns casos, irregularidades processuais que importam urgentemente clarificar, bem como, noutros, exigem esclarecimentos face às decisões tomadas que vão contra as orientações fundamentais da [Lei de Bases de Protecção do Património Cultural], no que se relaciona com os bens museológicos de excepcional valor cultural", acrescenta o ICOM-Portugal.

A secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus solicita ainda a divulgação dos critérios invocados por João Carlos dos Santos para indeferir a proposta de classificação, realçando que foi o próprio que determinou, em 2021, a classificação de outra obra da mesma série, a Adoração dos Magos, decisão que aguarda publicação em Diário da República.

Madrid, Maastricht, Nova Iorque...

Esta segunda-feira, o Expresso, que em Janeiro avançou a notícia da saída da Descida da Cruz para Madrid, deu conta de que a obra estará agora a caminho da The European Fine Art Fair (TEFAF), a importante feira de arte de Maastricht, que decorre de 9 a 14 de Março. O correspondente do semanário em Madrid não encontrou a pintura em nenhuma das três sucursais da Colnaghi da capital espanhola. Não sendo certo o actual paradeiro da pintura, parece porém parece plausível que já esteja armazenada em Maastricht.

A agência Lusa contactou a galeria Colnaghi, que não confirmou a presença do quadro nesta próxima edição da TEFAF. Segundo algumas publicações especializadas, Descida da Cruz é porém o principal destaque da lista de obras que a Galeria Colnaghi terá à venda na feira.

Também na segunda-feira, o galerista luso-francês Philippe Mendes, cuja galeria vai estar representada na TEFAF, disse ao PÚLICO estar a tentar persuadir o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque a adquirir a pintura de Domingos Sequeira.

O PÚBLICO questionou esta terça-feira o Ministério da Cultura sobre a carta do ICOM, bem como sobre o paradeiro da pintura e a sua possível venda em Maastricht, mas ainda não obteve resposta.

Já este mês, o Governo assegurou estarem em curso "todos os esforços" para conhecer as "eventuais condições de compra" da obra. Em resposta a uma missiva assinada por 12 especialistas em museus e património manifestando indignação pela "exportação indevida" da pintura, situação "gravemente lesiva do património português", a secretária de Estado da Cultura fez saber que o assunto foi entregue à empresa pública Museus e Monumentos de Portugal (MMP), esperando-se "desenvolvimentos para muito breve".

A saída do país de Descida da Cruz foi avançada a 26 de Janeiro pelo semanário Expresso, que noticiou que a obra estaria à venda em Madrid, "apesar dos pareceres negativos sobre a sua saída de Portugal". O requerimento para "exportação temporária" e "eventual venda" da obra, na posse do descendente do duque de Palmela Alexandre de Souza e Holstein, tinha como destino a Galeria Colnaghi, de Madrid, pelo prazo de um ano, a contar do dia 2 de Novembro de 2023, sendo o valor atribuído de 1,2 milhões de euros, segundo o semanário.

Descida da Cruz faz parte — juntamente com Ascensão, Juízo Final e Adoração dos Magos, esta última já na posse do MNAA na sequência de uma campanha pública de aquisição a que o PÚBLICO se associoude um grupo de quatro pinturas tardias de Domingos Sequeira, executadas em Roma, onde o artista morreu em 1837. Pelo menos um grande estudo preparatório da obra, na posse do MNAA, está classificado como bem de interesse nacional.

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