Recusa dos sindicatos anula reunião no MAI sobre serviços remunerados

Enquanto os polícias e militares estão num braço de ferro com o Governo, estruturas de comando tentam manter a disciplina. PSP a braços com baixas médicas massivas tem aberto processos de inquérito.

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Protestos já levou a que milhares de policias se juntassem me manifestações quer em lisboa, quer no Porto. Nuno Ferreira Santos
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A reunião convocada pelo Ministério da Administração Interna (MAI) para esta quarta-feira sobre os serviços remunerados nas forças de segurança foi anulada na sequência da recusa dos sindicatos da PSP e das associações da GNR em participarem no encontro, segundo as várias estruturas.

Contactado pela Lusa, o MAI confirma que a reunião não se vai realizar, mas não avança o motivo. Ao que o PÚBLICO apurou, na reunião os representantes dos polícias teriam como interlocutora a secretária de Estado da Administração Interna, Isabel Oneto.

O presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia (SNOP), também porta-voz da plataforma que congrega 11 sindicatos e associações da PSP e GNR, afirmou à Lusa que nenhuma estrutura ia à reunião, considerando que o MAI tem argumentado até agora que o Governo estava em gestão e incapaz de responder às exigências dos agentes e militares.

"Querem dar a ideia de que estão agora preocupados com os polícias, então não estavam em gestão? O que é que eles querem discutir?", questionou Bruno Pereira.

Os sindicatos da PSP e as associações da GNR foram convocados na segunda-feira para uma reunião no MAI a realizar hoje, tendo apenas como ponto na agenda a proposta de alteração à portaria que regulamenta o regime dos serviços remunerados, também conhecidos por gratificados.

A alteração à portaria dos remunerados, os serviços que os polícias prestam a entidades públicas e privadas fora do horário de trabalho, nomeadamente em lojas, espectáculos ou eventos desportivos, começou a ser discutida entre o MAI e as estruturas da PSP e GNR no início da actual legislatura. Privados e outras entidades pagam à PSP e à GNR por um serviço de segurança que é prestado fora do horário de trabalho dos agentes e dos militares, que depois recebem apenas uma parte desse valor e do qual ainda têm de pagar 10% em sede de IRS ao Estado, segundo explicou ao PÚBLICO fonte dos sindicatos.

O Sindicato Independente dos Agentes de Polícia (SIAP) justifica a ausência na reunião com o facto de a portaria não ser objecto de negociação colectiva e de já ter transmitido em anteriores encontros no MAI que é contra as alterações ao texto, sendo apenas favorável a uma eventual actualização dos valores.

"Numa fase legislativa em que o ministro da Administração Interna, o primeiro-ministro e diversas personalidades ligadas ao Governo afirmaram não possuir legitimidade institucional para legislar, afirmando ainda que todos os objectos de eventual negociação estão suspensos, estranhamos a legitimidade que agora surge, e para uma questão absolutamente desnecessária nesta fase", refere o SIAP, em comunicado, precisando não aceitar que as actualizações remuneratórias sejam feitas por esta via.

Também a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) recusou participar na reunião por considerar tratar-se de um encontro de "fachada", esclarecendo que as alterações à portaria já foram transmitidas no passado aos sindicatos.

"O Governo já teve muito tempo para avançar e pode avançar nesta matéria, porque os serviços remunerados não são de negociação colectiva, ou seja, o Governo pode já amanhã valorizar os valores dos serviços remunerados sem contacto com os sindicatos", disse, defendendo uma valorização salarial e uma de reestruturação de suplementos nas forças de segurança.

Por sua vez, a Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR) sustenta que serviços remunerados "são efectuados fora do horário normal de trabalho, resultando em maior carga horária e desgaste" e que, se os militares da GNR, recorrem a este serviço é porque "os vencimentos são parcos".

"Num contexto em que os profissionais da guarda têm participado em protestos contínuos a respeito da necessidade de valorização das suas remunerações e atribuição de um suplemento de missão equivalente ao da Polícia Judiciária, parece que o Governo só está em gestão para aquilo que lhe é conveniente", refere ainda a APG.

"Oportunismo eleitoral"

O Sindicato Nacional da Policia (SINAPOL), por sua vez, também emitiu um comunicado a dar conta da usa recusa em participar na reunião. No mesmo comunicado, o SINAPOL refere que "não pode deixar de estranhar o oportunismo eleitoral e político da calendarização para a realização desta reunião, principalmente quando, durante todo o ano de 2023, sempre que existiram acções de protesto por parte dos sindicatos, o MAI "rapidamente colocava a bandeirinha de fora" e agitava aos sindicatos com intenções de alterações ao diploma dos serviços remunerados, nomadamente com aumentos remuneratórios para estes serviços, mas sem nunca ter consumado qualquer negociação colectiva ao longo de 2023, claramente andando a brincar com situações que os polícias consideram muito sérias".

Sublinha o SINAPOL que "não abdica de aumentos dos serviços remunerados, pois serão sempre mais do que justos, mas nunca permitirá que para isso se ignore a Lei Sindical da PSP e de Negociação Colectiva, bem como, que agora se tente "tapar os olhos" aos polícias com medidas avulsas, quando a medida mais urgente a resolver, até ao dia de hoje o Governo nunca mostrou vontade de solucionar "Suplemento de Missão".

A reunião surge numa altura em que os elementos da PSP e da GNR têm protagonizado vários protestos para exigir um suplemento idêntico ao atribuído à PJ, tendo a contestação começada há mais de um mês pelo agente da PSP Pedro Costa e que depois se alastrou pelo país todo.

Aliás, nos últimos dias vários polícias da PSP e militares da GNR apresentaram baixas, apesar de a plataforma não assumir que sejam uma forma de protesto, tendo o ministro da Administração Interna determinado a abertura de um inquérito urgente à Inspecção Geral da Administração Interna sobre estas súbitas baixas.

Enquanto, os polícias e militares estão neste braço de ferro com o Governo, as estruturas de comando, quer da PSP, quer da GNR, que já demonstraram estar ao lado dos seus homens, desde que os protestos não coloquem em causa a segurança e não ultrapassem determinados limites, têm de manter a disciplina.

Equipas de Intervenção Rápida extintas

Os exemplos mais duros têm partido da Direcção Nacional da PSP, liderada por Barros Correia, que ainda esta quarta-feira, num comunicado enviado às redacções, confirmou a dissolução de duas Equipas de Intervenção Rápida (EIR) que estavam escaladas para participar na segurança do jogo entre o União de Leiria e o Sporting, no dia 7 de Fevereiro, mas cujo efectivo composto por 18 agentes comunicou estar impossibilitado por motivos de saúde.

De acordo com a PSP, " tendo em conta a situação não habitual de vários polícias das EIR do Comando Distrital de Coimbra terem apresentado baixa médica em simultâneo ou necessidade de deslocação ao hospital, o Comandante Distrital daquele Comando promoveu a abertura de processo de inquérito visando apurar as circunstâncias do ocorrido".

"De forma a manter a normal actividade operacional do Comando Distrital de Coimbra, e tendo em conta a necessidade de promover uma adequada gestão dos recursos policiais e o normal funcionamento das várias subunidades e serviços do Comando, bem como a garantia do interesse público e uma resposta pronta, rápida e flexível às ocorrências diárias, sem comprometer a saúde, o direito ao descanso e o bem-estar dos polícias, o Comando da PSP de Coimbra, num processo de gestão interna de recursos, procedeu à reorganização das suas EIR tendo alguns polícias sido afectados a outros serviços", lê-se.

Mas este caso não é único, ainda no dia 4 de Fevereiro casou polémica o facto de 44 polícias do Corpo de Intervenção da PSP ter colocado baixas em simultâneo antes do jogo entre o Benfica e o Gil Vicente.

Esta situação levou a que a PSP informasse que, tendo em conta “a situação inédita de 44 polícias de um grupo operacional terem apresentado baixa médica em simultâneo”, o comandante da Unidade Especial de Policia (UEP), Luís Carrilho, promoveu a abertura de processo de inquérito visando apurar as circunstâncias do ocorrido.

Segundo a PSP, o comandante daquela unidade da PSP decidiu também "extinguir o terceiro grupo operacional e distribuir estes polícias pelos restantes grupos operacionais do CI em Lisboa, reactivando o sexto grupo operacional" para "manter a normal actividade operacional do Corpo de Intervenção".

Ao que o PÚBLICO apurou, alguns destes polícias estão neste momento em risco de rescindir os contratos com o Corpo de Intervenção e voltarem para as esquadras. Foram notificados ontem para, no prazo de dez dias, apresentar esclarecimentos sobre o sucedido.

Entretanto os protestos continuam. A plataforma que congrega 11 sindicatos e associações da PSP e GNR vai organizar um cordão humano na Praça do Comércio, em Lisboa, a 19 de Fevereiro, dia do debate televisivo entre os candidatos a primeiro-ministro Pedro Nuno Santos (PS) e Luís Montenegro (AD). Também estão previstos para este mês, a começar já amanhã, vigílias nos portos e aeroportos.

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