Dez anos sem Shirley Temple, a maior pequena estrela

Com o seu sorriso fácil e boa disposição, Temple era um antídoto, uma espécie de ansiolítico, que amenizava os tempos difíceis que os EUA atravessavam.

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Era uma vez, nos anos 30 do século passado, num país distante (os EUA), uma menina com 56 cachinhos loiros arruivados que, apesar de pequena em idade e estatura, era uma grande estrela de Hollywood. O seu nome era Shirley Temple e faz este sábado dez anos que a eterna criança morreu, aos 85 anos.

Temple foi uma das maiores estrelas de Tinseltown durante a década de 1930, quando os EUA atravessavam a difícil Grande Depressão. Com o seu sorriso fácil e boa disposição, Temple era um antídoto, uma espécie de ansiolítico, que amenizava os tempos difíceis que aquele jovem país atravessava. Os seus filmes eram bem recebidos junto do público. Foi uma das dez estrelas mais populares de Hollywood durante seis anos seguidos!

Era talentosa: sabia cantar, dançar e actuar. Não era capaz de ter a densidade dramática (quase paranóica) da Margaret O’ Brien, mas tinha talento suficiente para sustentar um filme. A académica Jeanine Basinger refere-se a ela dizendo: “Era demasiado jovem para compreender o que era representar, mas sabia imitar, e se alguém lhe dissesse como dizer alguma coisa, ela conseguia fazê-lo; se alguém lhe dissesse para ficar com medo, ficar feliz, ficar triste, ela era capaz de o fazer. E ela fez isso da melhor forma”.

Apesar de ser uma criança, foi a primeira estrela loira da 20th Century Fox (seguida das adultas Alice Faye, Betty Grable, June Haver e, claro, Marilyn Monroe). Normalmente, Temple fazia de órfã nos seus filmes, ajudando adultos a resolver qualquer situação amorosa. Mas não é só doçura. Ela é opinativa, corajosa e proactiva. É fácil subestimar Temple. Os seus filmes são fluff e, aos olhos de hoje, estão um pouco datados. Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo perdeu muito da sua inocência e, a partir de 1945, filmes cândidos como os de Temple pareciam de 1770.

Mas a actriz tem realmente um encanto especial. É alegre, resplandecente, desperta facilmente o instinto paternal e maternal que temos em nós, apesar da sua independência. Com o crescimento, os seus filmes tornaram-se mais sofisticados. Um dos melhores exemplos é Heidi (1937), um melodrama infantil que conta a famosa histórica entre uma neta e um avô. O ritmo é envolvente, os cenários são charmosos e as interpretações sensíveis.

Outro dos seus melhores filmes é A Princesinha (1939), uma mega produção em technicolor que conta uma história parecida à de Cinderela. Infelizmente para a Fox, a actriz estava a tornar-se adolescente (havia teorias bizarras, como a lenda urbana de que era uma anã adulta a passar-se por criança) e o público a desinteressar-se por ela. Temple fez mais alguns filmes enquanto adolescente e, a meu ver, o seu talento e charme permaneceram palpáveis. De facto, um dos melhores filmes da sua carreira é a divertida comédia O Solteirão e a Pequena (1947), onde uma Temple reluzente contracena muito bem com dois veteranos da comédia, Myrna Loy e Cary Grant. É, certamente, um filme que deveria ser mais conhecido.

Elizabeth Taylor, Judy Garland e Natalie Wood conseguiram fazer a passagem para a vida adulta enquanto actrizes, mas Temple nem por isso. O público rejeitou-a quando ela cresceu. E entende-se. As outras três não eram estrelas tão grandes enquanto crianças. Temple é, ainda hoje, a mais emblemática child star. Era demasiado adorada enquanto criança e crescer foi o seu maior pecado!

Basinger aborda uma curiosa, ainda que delicada, questão sobre um suposto e inesperado apelo sexual de Temple: “Havia um apelo sexual sombriamente ameaçador na sua presença, sentada no colo do papá”. Basinger não está sozinha. Em conversa com um amigo meu, ele disse-me que a actriz não parece uma criança, mas sim uma “pequena Mae West”. E isto não é uma coisa de agora (podia ser, dado os horríveis casos de pedofilia que nas últimas décadas têm povoado o nosso consciente cultural). Já em 1937, o famoso crítico Graham Greene disse as inquietantes e desconfortáveis palavras: “Os seus admiradores – homens de meia-idade e clérigos – respondem à sua coqueteria duvidosa, à visão do seu corpinho bem formado e desejável, repleto de enorme vitalidade, apenas porque a cortina de segurança da história e do diálogo cai entre a sua inteligência e seu desejo.”

Mais velha, Temple virou-se para a política, tendo sido nomeada embaixadora na República Checa pelo Presidente George H. W. Bush. Morreu de causas naturais em Fevereiro de 2014.

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