Morreu a estrela infantil de Hollywood Shirley Temple

A actriz tinha 85 anos e a notícia da sua morte, de causas naturais, foi dada pela família.

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Temple em 2006, quando recebeu o prémio carreira da Guilda dos Actores dos EUA Mario AnzuonI/REUTERS
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Shirley Temple Black na Casa Branca com o então Presidente Bill Clinton, em 1998 CHRIS KLEPONIS/AFP

Shirley Temple Black começou a carreira aos três anos e ficará para sempre conhecida como uma das crianças-prodígio de Hollywood. Os seus números de dança em filmes como Baby Take a Bow, de 1934, conquistaram o grande público norte-americano durante a Grande Depressão, tornando-se o rosto infantil e doce de cabelos aos caracóis da alegria escapista do cinema. Mas, já adulta, preferiu a diplomacia ao cinema, tornando-se embaixadora dos EUA no Gana e na então Checoslováquia.

Ainda a actriz mais nova de sempre distinguida pela Academia de Hollywood (tinha seis anos quando, em Fevereiro de 1935, lhe foi atribuído um Óscar “juvenil”), Shirley Temple trabalhou 19 anos no cinema com cerca de 40 filmes no currículo – a sua carreira na política duraria 20 anos.

Temple ressurgiria duas décadas depois para uma nova vida enquanto candidata ao Congresso dos Estados Unidos pelos Partido Republicano, mas não foi eleita, tendo depois sido nomeada embaixadora americana no Gana, em 1974, e na então Checoslováquia, em 1989. Na memória colectiva, porém, permanecerá a actriz-criança de caracóis fartos, sorriso inocente e voz límpida que marcou a década de 1930 do cinema americano. Sobre essa mudança de carreira, disse em 1974, quando foi nomeada para o cargo diplomático no Gana: "Aqui não tenho dificuldades em ser levada a sério enquanto mulher e diplomata. Os meus únicos problemas têm sido com os americanos que, no princípio, se recusavam a acreditar que eu tinha crescido desde os meus filmes". 

“Saudamo-la por uma vida de feitos memoráveis enquanto actriz, diplomata e, mais importante que tudo, como a nossa amada mãe, avó e bisavó”, disse a família em comunicado, citado pela imprensa internacional. Nele, informava-se que Shirley Temple morreu segunda-feira em sua casa em Woodside, na Califórnia, de “causas naturais”. “Estava rodeada pela sua família e pelos profissionais de saúde” que a acompanhavam, lê-se ainda no comunicado citado pela BBC News.

Shirley Temple estreou-se em 1932 com um pequeno papel numa curta-metragem, um ano depois de ter começado a estudar dança por iniciativa da mãe aos três anos de idade – a mãe, figura tutelar na sua carreira como actriz, dizia-lhe sempre antes de uma actuação: "Brilha, Shirley!". A sua carreira agigantou-se a partir daí, com papéis nos filmes Stand Up and Cheer! ou Baby Take a Bow, ambos de 1934, nos quais se destacou ao ponto de a menina de vestido de folhos cor-de-rosa e covinhas sorridentes ter chamado a atenção dos patrões dos grandes estúdios. Esses grandes estúdios viriam a lucrar milhões com a pequena estrela que cantava e dançava em filmes como Curly Top (1935) e The Littlest Rebel (1935), aos quais a revista Variety atribui a responsabilidade de ter salvo a 20th Century Fox da falência iminente em anos de grandes dificuldades nos EUA.

Vivia-se a Grande Depressão e foi exactamente entre 1935 e 38 que Temple se tornou o maior sucesso de bilheteiras dos Estados Unidos – o American Film Institute cita o então Presidente Franklin D. Roosevelt, que constatava que "por apenas 15 cêntimos, um americano pode ir ao cinema e olhar para a cara sorridente de um bebé e esquecer os seus problemas". 

Los Angeles Times não hesita em chamar-lhe "a estrela de cinema infantil mais popular de sempre" e a agência Reuters escreve que Temple foi uma superestrela antes de o termo ter sequer sido inventado. Com uma carreira cinematográfica que se fixa em duas décadas, a de 1930 e 40, desde que despontou como actriz tornou-se uma “instituição nacional” cujo magnetismo antecipou também o furor do marketing cinematográfico e do merchandising associado não só a um filme, mas a um intérprete, décadas antes da emergência da cultura juvenil que cristalizou um fenómeno de adoração e negócio que hoje é parte integrante da paisagem cultural.

Bonecas, vestidos, tudo era vendido sob a chancela de Shirley Temple, a criança-actriz cuja fama originaria até um cocktail baptizado em sua honra – um Shirley Temple, claro, não tem álcool e é apropriado para crianças. “Perguntei à minha mãe”, Gertrude Temple, por que é que as multidões gritavam por Shirley Temple “e ela disse: ‘Porque os teus filmes as fazem felizes’”, lembrava-se a actriz. A sua canção On the Good Ship Lollipop, de Bright Eyes (1934), tornou-se uma das suas actuações emblemáticas, juntamente com as interpretações em Little Miss Marker (1934), Poor Little Rich Girl (1936) ou Heidi (1937).

Contudo, se durante 19 anos foi actriz, os verdadeiros anos do sucesso terminaram quando entrava na adolescência. A sua carreira perdia fôlego quando atingiu os 12 anos e quando já tinha contracenado com Ginger Rogers, Spencer Tracy, Gary Cooper ou Carol Lombard. Em 1949, aos 21 anos, anunciou a sua saída oficial da carreira de actriz depois de Fort Apache (1948), com John Wayne e Henry Fonda e sob a realização de John Ford, e firmando como seu último filme Mr. Belvedere Goes to College.

Shirley Temple tornou-se Shirley Temple Black ao casar-se pela segunda vez com o oficial da Marinha Charles Black, depois de um curto casamento, aos 17 anos, com o sargento tornado actor John Agar que resultou na sua primeira filha, Linda Susan. Casada com Charles Black até à morte deste, em 2005, teve mais dois filhos (a sua filha Lori Black foi baixista do grupo punk Melvins) e entrou em contacto com os circuitos políticos de Washington graças à actividade política e empresarial do marido. Angariou fundos para a campanha presidencial de reeleição do republicano Richard Nixon, integrou a equipa de representantes dos EUA nas Nações Unidas em 1969, foi embaixadora no Gana entre 1974 e 1976 e, depois de ter vivido in loco a Primavera de Praga, tornou-se embaixadora americana na antiga Checoslováquia entre 1989 e 1992.

Este foi, segundo disse numa entrevista ao Washington Post, o seu melhor emprego. Porque, aliás, como disse à revista Time em 1967, era diferida a convivência com a imagem que o mundo guardou dela: "Penso sempre nela como 'a rapariguinha'. Ela não sou eu". 

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