O valor essencial da UE em tempos de crescente instabilidade

A União Europeia é mais necessária do que nunca para fazer face às consequências nefastas da agressão russa à Ucrânia, ao fanatismo dos jihadistas, tal como a todos os tipos de pulsações autocráticas.

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As realidades mais cruas da política internacional marcadas por um elevadíssimo grau de incerteza requerem nos dias que correm uma visão especialmente lúcida por parte da diplomacia europeia. A União Europeia representa a única alternativa de paz para o continente – constituindo na sua essência um valor sem precedente na história fratricida entre os europeus. Ora, esta vocação pacífica permite-lhe explorar um papel central de moderação nas relações internacionais nestes tempos de crescente instabilidade política e posicionar-se cada vez mais como um actor indispensável. Precisamente por isso é fundamental não descurar o essencial: a União Europeia continua a ser a mais admirável construção política de cooperação internacional no mundo de hoje, combinando um propósito pacífico, instituições multilaterais, democracia social, e economia de mercado. Em caso algum podemos perder de vista que no actual contexto externo e no que respeita especificamente às matérias sensíveis da segurança e defesa a União Europeia é mais necessária do que nunca para fazer face às consequências nefastas da agressão russa à Ucrânia, ao fanatismo dos jihadistas, tal como a todos os tipos de pulsações autocráticas.

E é neste plano que o desenvolvimento da Bússola Estratégica da União Europeia assume premente acuidade, aspirando levar a comunidade a um novo nível de ambição no plano externo bem como à melhoria e consolidação dos instrumentos da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) por forma a tornar a sua acção mais eficaz e, também – sublinhe-se – mais visível aos olhos da própria opinião pública europeia. A necessidade de reforçar a solidariedade entre os Estados-membros num quadro externo manifestamente perigoso implica a busca de maior coerência em todo o espectro da acção institucional da União Europeia, devendo reforçar o seu papel essencial como produtora de estabilidade e no plano da indivisibilidade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais – aliás, um elemento-chave de diferenciação do seu estatuto e projecção internacionais – bem como na exemplaridade da acção no combate democrático às manifestações de corrupção.

A Europa – incluindo Portugal – necessita de despender mais na sua segurança, isto é, de aumentar os orçamentos de defesa em termos reais, não somente na razão directa dos seus próprios interesses, mas também pelo facto de que a orientação dos nossos aliados e amigos norte-americanos é marcada pela ideia central de uma distribuição mais proporcional das responsabilidades financeiras no seio da NATO – uma chamada para uma maior partilha de custos, não só por parte da actual presidência de Joe Biden, mas, na verdade, reiteradamente expressa pelas quatro administrações que a precederam. É necessário e é, sobretudo, justo. Sabemos que os contribuintes norte-americanos não aceitarão outra coisa (o esforço dos Estados Unidos no total de despesas da NATO ronda os 70%).

Por outro lado, o conjunto da União Europeia necessita de lidar com o enormíssimo dilema de segurança que as pretensões hegemónicas e expansionistas da China representam. As dinâmicas internacionais são cada vez mais definidas pela competição extremada entre a China, a Rússia, e os Estados Unidos, com outros espaços como a Índia, o Irão, e a Turquia a tentar tirar partido da rivalidade entre aquelas potências. Sem descurar a gravidade das tensões visíveis no grande Médio Oriente e no Pacífico Ocidental.

Neste cenário em fluxo é fundamental ter consciência dos constrangimentos presentes, desde os problemas que se prendem com o conflito israelo-palestiniano sem fim à vista, passando pelas novas exigências decorrentes das alterações climáticas até às mais imediatas questões migratórias. Não deixaríamos de referir que um dado essencial das migrações em direcção à Europa é a de que constituem, a fortiori, uma demonstração inequívoca do poder de atracção da União Europeia, isto é, do seu soft power.

Só a União Europeia tem a experiência de governação colaborativa acumulada para responder eficazmente aos desafios actuais que não podem ser resolvidos por um país isoladamente. Nem pelas maiores potências. Os líderes europeus têm pela frente um desafio político gigantesco. Assim, nesta hora mais dilemática a defesa e o relançamento da União bem como a continuidade do esforço de modernização dos Estados que a integram é indissociável da sua reinvenção. Em rigor, apesar das insuficiências ainda existentes, não se descortina outro caminho mais realista e de efectiva prosperidade compartilhada fora da União Europeia.

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