Água, comida, medicamentos, combustível, electricidade: a lista é longa. Entre todos os bens e serviços essenciais que faltam em Gaza, o acesso à rede de telecomunicações não é secundário. É, por vezes, vital, tanto para serviços de saúde e de emergência e equipas de apoio humanitário, como para a população em geral. Face aos apagões que afectam o enclave palestiniano desde 7 de Outubro, a escritora egípcia Mirna El Helbawi quis "ligar Gaza" e encontrou uma solução para a qual qualquer um pode contribuir.
Graças a Mirna, 31 anos, e a uma equipa de voluntários e a doadores de todo o mundo, já chegaram a Gaza mais de 150 mil cartões eSIM com serviço de roaming, que permitem ligações à rede telefónica e de Internet egípcia ou israelita, mesmo durante um bloqueio de telecomunicações, ou como forma de contornar os danos provocados pela guerra nas infra-estruturas de comunicações.
A ideia nasceu nas redes sociais, por sugestão de um dos seguidores de Mirna no Instagram. “Sem rede, não temos voz”, afirma a escritora e jornalista de 31 anos, ao recordar o apagão de 27 de Outubro do ano passado, quando as Forças de Defesa de Israel se preparavam para iniciar a ofensiva terrestre na Faixa de Gaza. “Foi aterrador. Estávamos a acompanhar a situação hora a hora e, de repente, nada. Silêncio”, cita o Le Monde.
“Lamentamos informar que todos os serviços de telecomunicações e Internet na Faixa de Gaza foram totalmente cortados, devido à agressão em curso”, declarou, no final de Outubro passado, a Paltel, principal operadora de telecomunicações na Palestina.
Quando tentava encontrar alternativas a essa interrupção das comunicações, recebeu uma mensagem a sugerir que utilizasse os eSIM, cartões SIM virtuais, disponíveis online para cidadãos de todo o mundo.
“Contactei dois jornalistas em Gaza que tinham conseguido rede israelita, enviei-lhes dois destes cartões e funcionou”, recorda, a partir do Cairo, em declarações ao diário francês.
Ahmed Elmadhoun, jornalista de 27 anos, foi a primeira pessoa em Gaza a usar um dos códigos enviados por Mirna. “Aqui, as pessoas estão a morrer em silêncio, ninguém as consegue ouvir. Somos a voz de todas essas vítimas”, disse Ahmed à CNN Internacional, em Dezembro.
Estava lançada a iniciativa "Connecting Gaza". Quem recebe um destes cartões, precisa apenas de ler um código QR com a câmara do telemóvel, activar o serviço de roaming e — esta é a parte mais difícil — ligar-se a uma rede de telecomunicações estrangeira.
"Routers" humanos
Os eSIM são, agora, uma ponte de Gaza para o mundo. Por vezes, a única. Mas usá-los também pode significar riscos, já que para aceder a uma rede estrangeira, egípcia ou israelita, é necessário estar próximo das fronteiras do território palestiniano ou em locais mais desprotegidos.
Comprovado o sucesso desta solução, Mirna El Helbawi lançou uma campanha nas próprias redes sociais para apelar à doação de cartões eSIM. E se apenas em três dias recebeu mais de 3000 cartões virtuais, hoje são mais de 150 mil os códigos já enviados para Gaza.
Segundo explica a activista, os voluntários envolvidos na iniciativa já conhecem, muitas vezes, alguns dos cidadãos que se disponibilizam para receber os códigos, dia após dia, e utilizar os cartões eSIM como hotspots, partilhando a sua rede com tanta gente quanto possível. São como “routers humanos”.
Os cartões podem ser adquiridos através de aplicações como a Airalo, Nomad, Mogo, Holafly ou Simly; depois o comprador recebe um código QR que pode enviar para gazaesims@gmail.com, caso queira contribuir para a campanha "Connecting Gaza". Podes saber mais informações nesta página.
Quando o código é reenviado para Gaza, é também possível o doador saber quando é lido e o cartão activado e carregá-lo se ficar sem dinheiro. Consegue ver, também, quando um cartão fica subitamente inactivo.
Há poucas semanas, em Janeiro, um apagão quase total prolongou-se por uma semana na Faixa de Gaza. Foi o mais longo registado desde o escalar da guerra entre Israel e o Hamas.
“Neste conflito, os media e as redes sociais têm um papel fundamental. Israel está a tentar ganhar a guerra da comunicação, silenciando Gaza. Para eles, se não há imagens, não há crime”, defende Mirna, ao Le Monde. A jovem egípcia espera agora lançar campanhas semelhantes para outras regiões afectadas por conflitos. Já o tentou fazer no Sudão; até agora, sem ligações bem-sucedidas.
Quanto a Gaza, promete continuar a enviar os códigos para o povo palestiniano, jornalistas e profissionais de saúde até ao fim da guerra. No total, as doações ao "Connecting Gaza", pela aquisição de cartões, já ultrapassaram os 3,5 milhões de euros.