Morreu Wayne Kramer, guitarrista dos MC5 que co-inventou o punk

O músico da banda proto-punk, autora de Kick out the jams, tinha 75 anos.

Foto
Os MC5 ao vivo em Mount Clemens, Michigan, Estados Unidos, em 1969, com Wayne Kramer em primeiro plano Leni Sinclair/Michael Ochs Archive/Getty Images
Ouça este artigo
00:00
05:11

A sua guitarra furiosa, angular, feérica, arame farpado e ginga sexy no mesmo movimento, ajudou a inventar o punk. Morreu Wayne Kramer, co-fundador, guitarrista e vocalista dos MC5, grupo proto-punk formado em 1963 em Detroit, Estados Unidos, vítima de cancro no pâncreas. Tinha 75 anos.

"Wayne Kramer morreu hoje pacificamente de cancro pancreático. Será lembrado por começar uma revolução na música, na cultura e na generosidade", lê-se num post do Instagram oficial de Kramer. Faleceu no hospital Cedars-Sinai, em Los Angeles, de acordo com Jason Heath, amigo próximo e director executivo da organização sem fins lucrativos Jail Guitar Doors, co-fundada por Kramer.

Entre os temas que inscreveram os MC5 na galeria dos grandes do rock está, por exemplo, Kick out the jams, descarga eléctrica furiosa como poucos faziam na década de 1960, anos antes do explosão punk de meados e finais dos anos 70.

Com Fred “Sonic” Smith, na outra guitarra, Rob Tyner na voz, Michael Davis no baixo e Dennis “Machine Gun” Thompson como baterista, Kramer formou em 1963 os Bounty Hunters, banda de estudantes nos subúrbios de Detroit. Em breve chamar-se-iam Motor City Five, em breve seriam MC5, em breve seriam história rock'n'roll em movimento.

Nesses tempos de fúria e excitação juvenis “os MC5 costumavam tocar em todo o lado: cafetarias de escolas, bailes, lojas de discos, bares, clubes, ao ar livre, debaixo de tectos”, diria Kramer. “Quando adoras tocar, não importa onde.” Atrás da música ia também uma agenda de esquerda radical – o agente da banda, John Sinclair, foi co-fundador do White Panther Party, anti-racista, anticapitalista, vigiado pelo FBI.

A primeira vida dos MC5 foi, contudo, curta. Lançaram um (espantoso) disco ao vivo, Kick Out the Jams, em 1969, Back in the USA, disco de estúdio editado no ano seguinte, e, em 1971, High Time. O rock deles era urgente, sobretudo em concerto: violento, revolucionário, enformado pelo amor ao rock'n'roll primevo, mas também ao free jazz (chegaram a abrir para Sun Ra, influência do tema Starship).

Depois dos MC5, Kramer passou pela cadeia, entre 1975 e 1978, depois de vender “um monte de cocaína” a polícias à paisana, contou à rádio NPR. Tocaria numa banda de prisão no qual estava Red Rodney, trompetista jazz que tocou com Charlie Parker (muitos anos depois, em 2014, Kramer lançou um disco de jazz libertário, Lexington).

Sobre a passagem pela prisão, disse, à Rolling Stone, que “talvez” lhe tenha salvado a vida, numa altura em que abusava de drogas e álcool. “Mas não acho que a prisão me tenha ajudado. A prisão não ajuda ninguém, a nossa abordagem à punição na América. Talvez haja uma hipótese se todo o sistema mudasse para a via da restauração: o que podemos fazer para ajudar as pessoas que tomaram más decisões e violaram o contrato social.” Com a mulher e o músico e activista Billy Bragg, fundaria na década de 2000 a Jail Guitar Doors americana (o nome de uma canção dos Clash que fala da prisão de Kramer), que fornece instrumentos musicais e “mentoria” para ajudar a “reabilitar” reclusos “através do poder transformativo da música”.

"Toquei com Wayne nas prisões e vi-o transformar vidas, ele era simplesmente inacreditável... As inúmeras vidas que ele tocou, curou, ajudou e salvou continuarão o seu espírito e o seu legado", escreveu, numa reacção à morte de Kramer, Tom Morello, guitarrista dos Rage Against the Machine, cuja música e fervor político muito deve aos MC5. Diz Morello: os MC5 "basicamente inventaram a música punk rock".

Depois da prisão, Kramer manteve-se fora dos radares – foi carpinteiro, tocou e produziu pequenas bandas. Em 1995, em pleno revivalismo punk, lançou-se numa carreira a solo com The Hard Stuff, com músicos de grupos como os Rancid, Bad Religion, Melvins e Suicidal Tendencies nos créditos. Todos eles, de alguma forma, eram “filhos” da revolução punk que os MC5 ajudaram a deflagrar.

Em 2018, Kramer, com Kim Thayil (Soundgarden), Brendan Canty (Fugazi) e outros músicos que não pertenceram à formação original (Tyner e Fred Smith morreram em 1991 e 1994), ressuscitou os MC5, algo que faria de novo em 2022, com outros músicos.

Recentemente, Wayne Kramer revelou que uns novos MC5 preparavam a edição de um novo álbum de estúdio, Heavy Lifting, com edição prevista para a Primavera deste ano. Produzido por Bob Ezrin (Alice Cooper, Lou Reed), será, se for editado, o primeiro álbum de estúdio do grupo desde 1971, tendo como convidados Slash (Guns N' Roses) e Tom Morello, entre outros.

"Eu queria continuar de onde paramos com High Time", disse o guitarrista à Mojo. "Fazendo avançar a música, levando uma mensagem de auto-eficácia e empoderamento – apenas para nos divertirmos. Está tudo nos MC5. A criatividade é a solução para os desafios que enfrentamos.”

Sugerir correcção
Comentar