Programa económico da AD – entre o errático e o errado

O que transparece das propostas são as ideias inconsistentes e erradas de competitividade pelos custos do fator trabalho, bem ao gosto da troika.

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A apresentação pela AD do programa económico é algo positivo porque permite uma apreciação do proposto e dos seus fundamentos e avaliar se tal se insere no quadro conceptual das suas posições ao longo do período de oposição ou se temos ruturas entre prática política recente e novo programa.

As críticas que em seguida sustento devem ter em conta que considero positivo que a Assembleia da República tenha aprovado o Orçamento do Estado para 2024, ainda que o mesmo tenha diversos aspetos que deveriam ter contido uma ambição distinta. Dois pontos neste domínio: a quase ausência de medidas estruturais de promoção do investimento e da capitalização e a não consideração da proposta da CIP sobre alargamento do IRS jovem.

Noto que o programa económico da AD contém não apenas uma trajetória para Portugal, e é sobre ela que me vou deter, mas também diversas medidas mais ou menos fundamentadas, cada uma por si podendo ser considerada e retida.

Três notas críticas.

Sobre a evolução da produtividade e sua consequência sobre os salários. Espanta que a AD preveja uma taxa de crescimento da produtividade inferior àquela que o Governo prevê no Programa de Estabilidade e àquela que nestes últimos anos se verificou. Como desde 2015 tivemos políticas ativas de criação de emprego e temos hoje mais 600 mil empregos o ritmo de crescimento da produtividade não foi expressivo. Curioso é que estimem um forte crescimento do emprego quando temos taxas de desemprego historicamente baixas, logo que estimem crescimento com mais intensidade de mão de obra quando a rarefação da procura de emprego conduz inevitavelmente a aumento dos custos do fator trabalho, o que num quadro de pouco dinamismo da procura externa significa acrescentar dificuldades concorrenciais.

Mas tal é ainda mais curioso porque as criticas à direita sempre foram que era a evolução da produtividade que limitava o crescimento económico e nos “empobrecia” (na comparação não com a média da UE, com a qual desde 2015 a convergência se verificou, mas com os países do Leste que cresceram mais e são hoje erradamente definidos como mais ricos – comparação deve ser feita com stock de riqueza e não em PIB per capita anual). E agora o que propõem como ideia de progresso será que projetando maior crescimento do PIB os salários cresçam menos que no período anterior?

O que realmente transparece das propostas são as ideias inconsistentes e erradas de competitividade pelos custos do fator trabalho, bem ao gosto da troika, quando o que precisamos é de maior intensidade de capital no produto (nos bens e serviços transacionáveis) como elemento central para melhorar a competitividade.

A segunda nota é sobre o choque fiscal como promotor de ajustamento estrutural ser uma ideia mil vezes repetida – um "ovo de Colombo" que desconsidera a importância de políticas públicas persistentes e consistentes e premeia o facilitismo como método de vida e de ação política, mas com resultados muito pouco abonatórios (o caso recente do governo conservador de Liz Truss no Reino Unido é paradigmático). É sempre interessante considerar que a redução do IRS pode ter efeitos sobre o rendimento disponível das famílias e induzir crescimento da procura e do investimento. Uma trajetória prudente é positiva; um ajustamento violento como o proposto, sem evidência de resultados que não desequilibrem as finanças públicas, é muito imprudente.

A ideia do choque fiscal em IRC é errada. A ciência económica não é “bola de cristal” mas quando os estudos empíricos não estabelecem uma correlação verificável entre taxas de imposto às empresas e crescimento não é a melhor política escolher à linha exemplos e “cruzar os dedos” para ver se resulta. Será útil para estimular investimento que a taxa efetiva baixe, desde que tal aconteça em função do crescimento de investimento em atividades que promovam mudanças estruturais na economia. Na verdade que a política fiscal esteja em linha com um desígnio de país competitivo com base na inovação e no conhecimento. O que precisamos é de premiar o investimento, o risco e a inovação, o emprego mais qualificado e a internacionalização de empresas, não duma política de distribuição de benesses de retorno duvidoso.

Baixar IRC de forma transversal é um “brinde fiscal” a quem? Basta olhar para os dados publicados pela AT relativos a 2021. Quatro quintos do IRC cobrado é em atividades menos expostas à concorrência internacional serviços financeiros, grande distribuição, atividades imobiliárias e construção, serviços de consultoria e informação, eletricidade e gás. Seriam estes então os ganhadores e são estes que irão fazer os investimento em bens e serviços competitivos à escala global que precisamos? É que aqui não está nem a indústria transformadora e extrativa, os serviços especializados, a agricultura mais competitiva. E já agora, quais as estimativas de distribuição desta borla fiscal por escalões de dimensão de empresas?

Defendo que Portugal precisa de mais massa crítica, mais médias e grandes empresas de vocação exportadora, mas esta seria apenas uma benesse, nada mais, ou será esta a quebra de receita que compensa a quebra de despesa em % do PIB que o programa da AD também prevê e nos fará afastar ainda mais da média europeia (não diz onde mas não custa imaginar que pretendam tal nas áreas sociais).

A terceira nota é sobre a escassa credibilidade de aumento rápido das taxas de crescimento do PIB num contexto internacional tão complexo, quando nos principais mercados de destino das exportações se antevê pouco dinamismo. Por outro lado as ideias de estímulo ao consumo privado e por esta via ao investimento e o seu impacto no crescimento das importações e consequentemente no défice comercial foram desvalorizadas. No passado recente estas ideias foram criticadas pela direita. Seriam afinal críticas de circunstância e não de substância? É que em verdade tal é um erro político porque o crescimento sustentado só pode vir da melhoria da especialização produtiva e da inserção nos mercados globais. Ou será que as previsões de crescimento são, de forma não sustentada, muito otimistas, e a prática após eleições será de novo distinta daquilo que está no programa?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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