Há uns anos, não era suposto que Deniz recebesse a chamada – aquela chamada

O goleador alemão está a um pequeno passo de ir à selecção – já ouviu a voz do seleccionador ao telefone. Se lá chegar, em parte deve-o a ter percebido a tempo que não jogava contra agricultores.

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Deniz Undav celebra pelo Estugarda DR
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Há um momento da carreira de um futebolista em que as longas viagens, os períodos longe da família, as lesões, os sonos rigorosos e a alimentação regrada ganham sentido. E vem sob a forma de uma chamada telefónica na qual, do outro lado da linha, oiça uma voz importante.

Estamos a falar de Deniz Undav que, neste sábado, marcou três golos no 5-2 do Estugarda ao Leipzig, que já chegou aos 13 na temporada (em 18 jogos) e que já recebeu “a chamada” – aquela chamada. Do outro lado da linha falava Julian Nagelsmann, seleccionador alemão.

Para entender tudo isto é preciso recuar uns anos e ir ao futebolês mais coloquial – e mordaz. A expressão “farmers league” [campeonato de agricultores, em tradução livre] é usada de forma cáustica para classificar um campeonato de futebol pouco competitivo – diz-se que terá começado como gozo dos ingleses à Liga francesa, do alto do poder mediático e futebolístico da Premier League.

Deniz Undav é alguém que adoptou essa expressão para efeitos de desenvolvimento pessoal, quando constatou, como jogador do Brighton, que a Liga inglesa não era igual àquelas em que tinha jogado. “Isto não é uma farmers league, é o melhor campeonato do mundo”, apontou, citado pelo The Athletic.

Em rigor, Deniz sabia bem do que estava a falar. Se os ingleses chamam farmers league ao campeonato francês, o que dirão da quarta divisão da Alemanha?

Foi por lá que andou Deniz Undav há relativamente pouco tempo. O avançado está com 27 anos, mas jogava na Regionaliga germânica aos 20 anos. E aos 21. E aos 24.

Até ser descoberto pelo Union St. Gilloise, Deniz rodava num futebol que não esperava que tivesse sido o seu. Formado no Werder Bremen, acabou por ser dispensado do clube e o futebol, planeado como prioridade, passou a ser um acrescento ao trabalho numa fábrica.

A história tem semelhanças, por exemplo, com a de Jamie Vardy, que apareceu de um futebol de baixo nível, conjugado com um emprego de “vida real” – a vida que Deniz não imaginava para si quando ia dando nas vistas nas camadas jovens.

Os golos no baixo futebol alemão, primeiro, e na Bélgica, depois, viraram-lhe a vida do avesso – no bom sentido.

A ligação entre o St. Gilloise e o Brighton levaram-no para Inglaterra, onde assumiu ter entrado numa espiral de negatividade. Pouca utilização e poucos golos não são preceitos de carreira fáceis de “engolir” para alguém que, nas épocas anteriores, tinha sido um autêntico bombardeiro por onde passou – e figura central de todas essas equipas.

Vejamos. Foi Undav quem disse “é difícil, especialmente quando venho de jogar todos os jogos. É a vida e é o futebol, mas estou desanimado”. Mas também foi Undav quem depois disse “não estar a jogar nos primeiros seis meses não é nada de que deva envergonhar-me. Da Bélgica para Inglaterra são cinco ou seis níveis acima. E se depois de seis meses tiver de sair num empréstimo, por exemplo, não é estar a desistir de tudo”.

Foi esta marcha-atrás mental que permitiu ao jogador fazer a marcha-atrás futebolística. Depois de assimilar a possibilidade de não ser sempre o melhor, aceitou baixar. Baixou até à Bundesliga e, no Estugarda, tem sido o que os alemães precisam: um goleador.

Não apenas os alemães do Estugarda, mas os alemães em geral – os que querem golos na pouco fulgurante selecção nacional. Julian Nagelsmann está de olho e será chamado para os próximos particulares, com vista a uma possível integração nos 23 que vão ao Europeu – diz a imprensa alemã e sugere até o próprio jogador.

“Recebi uma chamada do seleccionador alemão. Disse-me que estou muito bem e que gosta do meu desempenho – não apenas dos golos, mas de outras coisas como a luta e o esforço. Eu disse-lhe que o meu sonho é jogar pela Alemanha e ele disse “OK”. Agora é esperar e ver o que acontece em Março. Possivelmente estarei lá”, apontou, citado pelo site da Bundesliga.

Deniz Undav foi muito pouco e está perto de ser muito. E “bastou” perceber que não tem de ser sempre o melhor – sobretudo porque não joga em campeonatos de “agricultores”.

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