Os americanos gostam de cães. No país do Snoopy, da Lassie, do Pluto e do Scooby Doo, a maioria (62%) vive com um animal de estimação e, entre estes, três quartos tem pelo menos um cão, segundo dados de 2023 do Pew Research Center. Quase todos (97%) consideram o seu animal um membro da família e uma ligeira maioria (51%) coloca-o no mesmo patamar que um familiar humano.

O bulldog francês era em 2023, segundo o American Kennel Club, o cão mais popular dos Estados Unidos, seguido do labrador, do golden retriever, do pastor alemão e do caniche. Vejo-os quase todos os dias nas horas dos passeios, de manhã e à noite, com os donos a segui-los zelosamente de saquinho na mão (raramente vejo cocó na rua, esse adereço clássico da calçada portuguesa).

Também vejo muitos rafeiros a serem passeados que não contarão para os inquéritos das raças mais populares. Muitos cães arraçados de retrievers e de pitbull. Estes últimos têm má fama, mas são geralmente dóceis e leais. Requerem mais treino e vigilância, porventura. Donos responsáveis, em suma, que não os tratem como acessório de moda ou arma de assalto.

A minha sogra tem dois pitbull. Ladram furiosamente quando batemos à porta. "Quem vem lá? Quem se atreve?", indignam-se. Depois de aberta, bamboleiam-se e pedem festinhas até irmos embora. São duas crianças. Terão no cadastro, no máximo, um ou outro peru selvagem que entrou no quintal.

Não se vêem cães de rua aqui no Nordeste dos EUA. Há cães abandonados, mas são geralmente resgatados por canis e colocados para adopção. Levar um para casa é assunto sério – pode envolver entrevistas, visitas prévias para avaliar as condições de habitabilidade e vários encontros entre cães e adoptantes. Uma amiga passou recentemente pelo processo e adoptou um pachorrento cão de montanha dos Pirinéus, resgatado de uma quinta no Mississípi onde ficou esquecido depois da morte do antigo dono no hospital. Vive agora uma reforma tranquila no Vermont, que tem um clima mais adequado ao seu casaco de pelo branco.

Os americanos gostam de cães e gostam de políticos que gostem deles. Os cães dos Presidentes são figuras públicas: os pastores alemães de Joe Biden, propensos a morder agentes dos serviços secretos; Bo, o cão de água português que corria ao lado de Barack Obama pelos corredores da Casa Branca; Barnie e Miss Beazley, os dois terriers escoceses de George W. Bush que eram estrelas de vídeo na Internet; Rex, o spaniel favorito de Ronald Reagan; Yuki, o rafeiro uivante de Lyndon B. Johnson; King Tut, o pastor belga que ajudou a humanizar o sisudo Herbert Hoover.

Maltratar um animal é gafe política tremenda num país onde, volta e meia, até aparecem alguns cães eleitos (ainda que simbolicamente) para a presidência de municípios. O republicano Mitt Romney, que nunca conseguiu chegar à Casa Branca, foi prejudicado, entre outras coisas, pela história de ter transportado o cão da família em cima do tejadilho do carro durante uma viagem de 12 horas. O episódio aconteceu em 1983, mas continuou a persegui-lo nas campanhas de 2008 e 2012.

Há quem não tenha aprendido a lição. Fotogénica, relativamente jovem (52 anos) e uma estrela nascente do trumpismo, Kristi Noem, a governadora republicana do Dacota do Sul, era até há poucos dias uma possível candidata à vice-presidência dos Estados Unidos, ao lado de Donald Trump. Como qualquer político que se prepara para vôos mais altos, Noem cumpriu o rito de se apresentar aos americanos com um livro de campanha, o habitual manifesto misturado com apontamentos autobiográficos, para mostrar ao que vem e que é "gente como a gente".

No Going Back chega este mês às livrarias americanas, mas já foi lido pelos jornalistas e é objecto de notícia pelos piores motivos, para mal das ambições políticas de Noem. Ao tentar sublinhar as suas origens modestas e rurais (um chamariz de votos) e a sua capacidade de tomar decisões difíceis mas necessárias (outro selling point), a governadora relata no livro como matou a tiro um dos seus cães, uma braco alemão de 14 meses chamada Cricket, por ser demasiado indisciplinada para a caça e propensa a morder. "Não foi uma tarefa agradável, mas tinha de ser feita", escreve.

O tiro, real, saiu pela culatra, metaforicamente. Noem foi condenada de forma praticamente unânime, como poucas coisas são por estes dias nos Estados Unidos, e já se sentencia o fim da sua carreira política. "Matar cães a tiro não é uma faceta da vida rural", criticou a comentadora republicana Tomi Lahren, ecoando outras vozes conservadoras.

Trump, que segundo o Politico já teria outras dúvidas sobre a governadora do Dacota do Norte, terá ficado muito desagradado com o episódio e retirado Noem da sua lista de vice-presidenciáveis, conta o New York Post. Um dos poucos Presidentes norte-americanos que não teve qualquer animal de estimação na Casa Branca, Trump sabe pelo menos aquilo que John Hendrickson escreveu numa newsletter da revista The Atlantic: "Os americanos amam mais os cães do que amam os políticos".