Morreu o ex-chefe dos serviços de informações Júlio Pereira

Júlio Pereira esteve 12 anos à frente do SIRP e integrou o primeiro Governo socialista liderado por António Guterres.

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Júlio Pereira durante uma audição na Assembleia da República LUSA/ANTÓNIO COTRIM
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O ex-secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) Júlio Pereira morreu esta sexta-feira aos 71 anos, confirmaram à agência Lusa dois dos seus amigos e uma colega de trabalho.

Júlio Pereira esteve 12 anos à frente do SIRP, entre 2005 e 2017 — foi nomeado secretário-geral já depois de o socialista José Sócrates ter conquistado a maioria absoluta do PS. Antes disso, integrara o primeiro Governo de António Guterres como secretário de Estado da Defesa Nacional.

Apesar de ter colocado o seu lugar à disposição depois de Pedro Passos Coelho ter assumido a chefia do Governo, o executivo PSD/CDS acabaria por reconfirmar Júlio Pereira como líder das secretas. Pereira e Passos tinham ambos raízes na zona de Vila Real e eram defensores da fusão do SIED com o SIS.

Magistrado do Ministério Público, Júlio Pereira trabalhou também no Governo de Macau, como assessor do secretário Adjunto para a Administração, como director do Serviço de Administração e Função Pública e Administrador do Fundo de Pensões de Macau e foi ainda assessor diplomático do Governador de Macau, de 1986 a 1989. O antigo chefe das "secretas" foi também director operacional do Serviço de Informações de Segurança (SIS), entre 1997 e 2000, antes de ascender ao topo do SIRP.

Nascido em Montalegre, no distrito de Vila Real, Júlio Pereira licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra e estudou na capital chinesa, Pequim, onde frequentou um curso intensivo de Língua e Cultura. Tinha um mestrado em estudos chineses e falava mandarim.

Quando deixou a chefia dos serviços de informações, Júlio Pereira regressou ao Supremo Tribunal de Justiça como procurador-geral adjunto. Foi também director do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) entre 2001 e 2003.

Júlio Pereira era um defensor do acesso das "secretas" aos metadados das comunicações e da capacidade para fazerem escutas no âmbito do combate ao terrorismo.

Carvalho e Carvalhão

Tendo passado por casos polémicos como o dos "vistos gold", em 2014, ou o de Tancos, em 2017, os relacionados com Jorge Silva Carvalho, em 2011, e com Carvalhão Gil, em 2016, terão sido os mais complicados.

Quanto ao último, Júlio Pereira chegou a assumir que "a situação mais complicada foi a do Carvalhão". Pereira, que conhecia Carvalhão Gil desde os tempos do SIS, referia-se ao caso da detenção, em 2016, em Roma, de Carvalhão Gil por estar a vender segredos de Estado a um cidadão russo que estaria ao serviço das secretas russas. Carvalhão acabaria condenado a seis anos e seis meses de prisão pelo crime de espionagem e a dois anos e dois meses de prisão pelo crime de corrupção passiva.

Já o caso de Jorge Silva Carvalho, que antes de ser director do SIED havia sido chefe de gabinete de Júlio Pereira, diz respeito ao processo em que o Ministério Público acusou o ex-espião de, já depois de ter ingressado no Grupo Ongoing, ter continuado a usar os seus contactos nas secretas para aceder a informações benéficas para a sua empresa. Foi também acusado de ter mandado espiar a facturação detalhada do telemóvel do jornalista Nuno Simas e ter devassado a vida privada de Francisco Pinto Balsemão.

Silva Carvalho acusaria, em tribunal, Júlio Pereira de ter sido conivente na decisão de espiar o jornalista Nuno Simas, garantindo ter sido uma escolha tomada em conjunto com o seu então superior hierárquico. Júlio Pereira desmentiria a informação e negou alguma vez ter dado ordens para a obtenção da lista telefónica do jornalista em causa. Silva Carvalho seria condenado a quatro anos e meio de prisão, com pena suspensa, por violação do segredo de Estado e outros crimes.

"Cavaquinho"

O mais velho de quatro irmãos, e mais tarde pai de quatro filhos, cumpriu a instrução primária em Montalegre e em Vila Real, concluindo os dois anos finais do secundário em Chaves antes de rumar a Coimbra para o curso de Direito. Já licenciado, fez o estágio de advocacia no Porto e o exame para a magistratura para depois trabalhar como estagiário no Ministério Público, também na cidade portuense. Numa entrevista de vida ao Expresso, em 2018, revelou ainda que a sua primeira comarca foi em Fafe, tendo de seguida ido trabalhar para a Praia da Vitória, nos Açores, de onde partiu quatro anos depois para assumir uma vaga que surgira para a comarca de Macau.

Gostou muito de Macau, mas de todo o Oriente. "Costumava dizer — e ainda acho — que até ir para lá pensava que via com os dois olhos, mas via só com um. São formas diferentes de abordar as coisas da vida", revelou ao Expresso. O interesse em especial pela China levou-o a aprender mandarim e a fazer mestrado em estudos chineses na Universidade de Aveiro.

Júlio Pereira era conhecido por algumas pessoas próximas como "Cavaquinho", no que era uma referência a um disco lançado por um músico homónimo do antigo chefe das secretas.

Chegou em 2005 ao SIRP já depois de ter sido director-geral adjunto do SIS quando este serviço era liderado por Rui Pereira, que mais tarde foi ministro da Administração Interna de Sócrates.

Muitas vezes apontando como alguém com proximidade ao PS e à maçonaria, Júlio Pereira nunca desmentiu as ligações ao sector socialista, contudo, negou, ao Diário de Notícias, ter ou já ter tido qualquer filiação a uma loja maçónica.

Na entrevista já referida ao Expresso, e questionado sobre se era maçon, respondeu: "Há uns anos, num período de falta de liberdade, talvez pudesse ter sentido alguma atracção. Tenho amigos na maçonaria, gosto deles, já me quiseram levar em visita, mas não me mobilizo", acrescentando, sobre se então a maçonaria ainda fazia sentido, ser algo que "não é necessário".

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