Não à austeridade e sim ao crescimento

Maior flexibilidade e apoios ao investimento são chave na negociação das novas regras orçamentais da UE.

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A reforma das regras de governação económica da União Europeia entrou numa fase decisiva. Com a aprovação, nesta quarta-feira, do mandato do Parlamento Europeu para negociar com a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia, as três instituições estão prontas para um acordo global que permita que o novo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) seja aprovado este ano e entre em vigor, já em 2025.

A reforma do PEC é um dos mais controversos temas da agenda europeia. Tem gerado profundas divisões ao nível europeu, nacional e mesmo dentro das diversas famílias políticas. A reforma atual não é exceção.

Por um lado, é preciso corrigir os erros cometidos durante a crise do euro que resultaram no PEC atual. Este provou ser ineficaz, desajustado e inflexível. Não podemos voltar atrás. Por outro, é imperativo concluir uma reforma (que dura há quatro anos) e ter regras comuns. Uma União Monetária e o euro não são sustentáveis sem um quadro estável e aceite por todos, sobretudo num cenário de desaceleração do crescimento económico, juros elevados, situação geopolítica instável ou eventual turbulência nos mercados.

Apesar das diferenças em áreas-chave, como o ritmo de redução do défice e dívida que urge agora resolver nas negociações, há pontos em que as três instituições europeias concordam. Um sinal de que as futuras regras serão um passo em frente e sempre uma melhoria face ao quadro atual.

Por exemplo, a criação de planos nacionais de médio prazo vai permitir uma gestão plurianual dos orçamentos entre quatro e sete anos aumentando a flexibilidade e a apropriação e influência dos Estados-membros. A criação de espaço orçamental para investimentos estratégicos exigida pelo Parlamento Europeu através da possibilidade de um Estado-membro poder fazer um ajustamento orçamental planeado para quatro anos em sete anos (quase o dobro do tempo) poderá ser um incentivo chave. O fim da regra de redução da dívida em 5% ao ano ou o uso privilegiado de indicadores complexos e não observáveis como o saldo estrutural são passos na direção certa. Nas novas regras, o único indicador usado será o da despesa primária líquida, despesa que exclui, por exemplo, os juros. Esta é uma mudança importante num quadro onde os países enfrentam custos crescentes com estes encargos.

Sabemos que as negociações, sobretudo com o Conselho da UE – que representa os Estados-membros – serão complexas, difíceis.

O compromisso alcançado no Conselho dos Ministros das Finanças da UE, a 20 de Dezembro, distanciou-se bastante da posição aprovada pelo Parlamento a 11 de Dezembro e mesmo da proposta da Comissão Europeia de Maio.

A posição do Parlamento é bastante mais progressista, pró-investimento e com uma forte dimensão social quando comparada com a do Conselho ou da Comissão. Uma posição só conseguida graças ao trabalho dos Socialistas Europeus que travaram as derivas do regresso de políticas indutoras de austeridade por parte da direita, e em particular do Partido Popular Europeu.

O nosso objetivo agora é alcançar um compromisso mais equilibrado, menos restritivo e mais amigo do investimento.

O Parlamento recusa, por exemplo, a criação de uma margem de segurança na meta do défice orçamental de 3% com reduções anuais fixas proposta pelo Conselho. Defendemos uma redução de dívida pública mais flexível e distribuída por um período longo de até 17 anos. Pedimos cláusulas de investimento que permitam aos Estados-membros desviarem-se das suas metas se tiverem de fazer novos investimentos estratégicos ou atualizar os atuais, caso haja subida de custos imprevisíveis ou mudança de prioridades.

Defendemos também que o investimento e uma boa execução em programas como o PRR ou Fundos da Coesão de um Estado-membro devem ser um fator relevante para impedir a abertura de um procedimento por défice excessivo, cujas consequências Portugal conhece bem. O Parlamento Europeu quer também um papel reforçado dos Parlamentos nacionais e dos parceiros sociais e sociedade civil nas escolhas das políticas orçamentais, aumentando o compromisso nacional.

Com a proposta do Parlamento Europeu caminhamos para regras mais flexíveis, democráticas, simples e que não conduzam ou sejam justificação para políticas de austeridade. Coloca também em maior pé de igualdade a dimensão de investimento com a sustentabilidade das finanças públicas, dando margem para colocar no terreno a dupla transição verde e digital ou o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Nas próximas semanas, o Parlamento Europeu irá bater-se para que o futuro PEC passe a ser não apenas um Pacto de Estabilidade, mas um verdadeiro Pacto de Crescimento.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Co-relatora para a Revisão do Quadro de Governação Económica

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