Devo ter filhos? A idealização da maternidade não beneficia ninguém

A expectativa não é apenas que as mulheres sejam mães: é que sejam o tipo certo de mãe. A idealização da maternidade prejudica todas as mulheres, independentemente das suas escolhas.

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A idealização da maternidade prejudica todas as mulheres, independentemente das suas escolhas. Unsplash

Mães e não-mães. Expressões como "sem filhos" definem firmemente a pessoa sem um filho como a que foge à norma. As mulheres que decidem não ter filhos são classificadas como estranhas pelas nossas normas sociais e culturais. E a expectativa não é apenas que as mulheres sejam mães: é que sejam o tipo certo de mãe.

É comum as mulheres procurarem a altura ideal para engravidar, adiando as decisões de gravidez. Isto pode parecer autonomia, mas é muitas vezes uma consequência da grande desigualdade de género que ainda existe na nossa sociedade. As mulheres não têm o privilégio e o apoio para ter filhos em alturas "menos convenientes".

Isto porque, independentemente do que queiramos acreditar, as mulheres não têm o mesmo estatuto que os homens. São elas que têm mais trabalho mental e emocional em casa, trabalhando mais horas do que os homens que são pais. E embora tenha havido um aumento significativo do número de famílias monoparentais, ainda existem muitas barreiras, sociais e práticas, para se viver sozinha. Como escreveu a poetisa e ensaísta Adrienne Rich na sua obra Of Woman Born: "A 'mulher sem filhos' e a 'mãe' são uma falsa polaridade, que serviu as instituições da maternidade e da heterossexualidade".

A idealização da maternidade prejudica todas as mulheres, independentemente das suas escolhas, como escrevo no meu livro (M)otherhood: Sobre as escolhas de ser uma mulher. As razões pelas quais as pessoas não querem ter filhos podem ter motivações culturais, sociais, ambientais e financeiras. Estas podem ser escolhas individuais ou as pessoas podem não ter filhos sem ser por opção própria.

Continuo a interrogar-me se, mesmo nesta era de liberdade e de escolha sem precedentes, as mulheres são realmente livres de compreender as suas próprias opções reprodutivas ou se têm autonomia para tomar essas decisões. Muitas vezes, as discussões sobre ter um filho são moldadas em termos de arrependimento. E se se arrepender e for demasiado tarde? E se mudar de ideias e for demasiado tarde?

Decisões e arrependimento

Os estudos sobre o arrependimento de ter filhos centram-se nas mães. Não é considerado fora do comum que um homem não queira ter filhos, que não tenha filhos. As escolhas de fertilidade das mulheres são continuamente escrutinadas, mas não é frequente discutirmos também os relógios biológicos dos homens.

Em 2023, investigadores da Universidade do Estado do Michigan descobriram que um em cada cinco adultos do estado, ou seja, cerca de 1,7 milhões de pessoas, não queria ter filhos. Este estudo foi seguido por outro, publicado mais tarde em 2023, que analisou mais profundamente as pessoas que não têm filhos por opção. Acontece que elas estão bastante satisfeitas com as suas decisões.

Por outro lado, os estudos mostraram que as pessoas que têm filhos são mais susceptíveis de se arrependerem desta escolha. Em 2021, um inquérito realizado pela YouGov a mais de 1200 pais britânicos revelou que 8% afirmam estar actualmente arrependidos de ter tido filhos. E um estudo da YouGov realizado na Alemanha em 2016 com mais de 2000 pessoas revelou que 19% das mães e 20% dos pais afirmaram que, se pudessem decidir novamente, não gostariam de ter filhos. Pode haver muitas razões para estes arrependimentos, mas a falta de opções de acolhimento de crianças e a falta de apoio são provavelmente significativas. Já não temos uma aldeia. Estamos a tentar fazer tudo sozinhas.

Pergunto-me sempre porque é que a sociedade ainda pressiona tanto as pessoas, especialmente as mulheres, para terem filhos. Porque é que lhes diz que o seu objectivo principal e mais importante na vida é ser mãe, mas depois rapidamente as rotula de más mães, mães desatentas, mães negligentes.

O movimento pela justiça reprodutiva tem como objectivo mudar esta situação. Afirma o direito humano de manter a autonomia pessoal do corpo, de ter filhos ou não ter filhos e de criar os filhos que temos em comunidades seguras. O movimento centra-se nas comunidades marginalizadas, naquelas que são mais prejudicadas devido a barreiras na saúde reprodutiva e naquelas que também correm maior risco de violência sexual e reprodutiva.

As desigualdades reprodutivas também afectam aqueles cujas vidas estão fora do quadro binário. Não podemos discutir a autonomia sem considerar os aspectos interseccionais dos seus efeitos nas pessoas trans, não binárias, agénero e não conformes ao género.

Uma escolha pode, por vezes, ser uma ilusão. Embora possamos acreditar que somos perfeitamente autónomos e livres de tomar as nossas decisões à vontade, nunca estamos livres do nosso contexto social e cultural.


Exclusivo P3/The Conversation
Pragya Agarwal é professora convidada de Desigualdades e Injustiças Sociais, na Universidade de Loughborough​

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