Como podem os pais prevenir assédio e abuso sexual de crianças online?

“O que os pais podem e devem fazer é acompanhar desde cedo os filhos na utilização que estes fazem das tecnologias”, começa por dizer especialista.

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A instalação de aplicações de controlo parental é o primeiro passo para contrariar o risco de exposição dos menores a abusos online Manuel Roberto (arquivo)
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A pergunta pode atravessar o pensamento de muitas pessoas com responsabilidades parentais: não sendo possível impedir o acesso à Internet, como prevenir o assédio e o abuso sexual de crianças online?

Cristiane Miranda tem reflectido muito sobre essa questão. É co-fundadora do projecto “Agarrados à Net — Como Gerir o Tempo Online dos Teus Filhos”, desenvolveu os programas “217 Challenge — Sete Passos para a Parentalidade Digital Positiva” e “Que Tipo de Pais Digitais Somos”, em suma, dá formação a mães e pais.

A primeira regra parece simples, mas nem sempre ocorre: “O que os pais podem e devem fazer é acompanhar desde cedo os filhos na utilização que estes fazem das tecnologias. Hoje, crianças de dois ou três anos mexem no telemóvel. Nestas idades mais tenras, só devem usar com supervisão. É estar ao lado dos filhos, ensiná-los a utilizar, ajudá-los a perceber o que estão a ver e a vivenciar.”

Aquela especialista também recomenda que se introduza de imediato alguma aplicação de controlo parental. “Muitas vezes, os pais só se preocupam com isso quando dão o primeiro telemóvel à criança, o que costuma acontecer por volta dos dez, 11 anos. Mais vale tarde do que nunca, mas deve ser feita desde sempre.”

Explica Cristiane Miranda que o recurso a controlos parentais evita que crianças “tenham acesso acidental a conteúdos impróprios”. Têm é um prazo de validade. “Pelos dez, 11 anos, os miúdos já sabem dar a volta. Algo persiste se houver acompanhamento desde sempre, se os pais forem conversando com os filhos, fazendo com que percebam que não agem por serem espiões, é por serem mentores digitais”.

Pode ser da idade, da adolescência, mas convém prestar atenção quando os filhos “começam a demonstrar maior volatilidade emocional, uma atitude mais defensiva, a estar muito reservados com as suas actividades online”. “Qualquer mudança de comportamento sem motivo aparente é para os pais ficarem alerta e tentarem perceber o que se passa.”

Também podem ensinar os filhos a ter um pensamento crítico, um comportamento preventivo. E isso passa por explicar-lhes a diferença entre segredo e surpresa, dizer-lhes que devem desconfiar de quem pede para falar em privado, de quem pergunta se está mais alguém em casa, de quem faz muitos elogios e dá muitas prendas sem motivo aparente, de quem pede fotos, de quem oferece formas fáceis de ganhar dinheiro, como ser modelo, representar. E mais ainda de quem manda material sexual.

“Qualquer coisa destas deve levar os miúdos a falarem com alguém da sua confiança”, frisa. “Não se deve falar nisto com as crianças no sentido de lhes atribuir a responsabilidade de dizer que não, de denunciar, mas no sentido de dizer: estou aqui para te ajudar; essas coisas não se guardam, podem trazer problemas maiores.”

Cristiane Miranda sublinha a importância de “os filhos saberem que têm nos pais um porto seguro, não alguém que lhes vai ralhar ou bater”. E terem noção de que a pessoa que agride pode ser desconhecida ou conhecida — um familiar, um amigo da família, um professor, um treinador. “Quando estamos a falar de abusos presenciais, a maior parte é de pessoas próximas; quando falamos de abusos online, a maior parte é de pessoas fora da família.”

A associação Quebrar o Silêncio acaba de lançar um manual para profissionais que trabalham com crianças, intitulado Princípios Básicos para a Prevenção da Violência Sexual contra Crianças: Conhecer, Identificar e Agir. “O objectivo é terem presente um conjunto de princípios básicos, perceberem como os abusadores chegam às crianças, que obstáculos elas enfrentam para contar o que lhes aconteceu. E terem ferramentas para agir”, esclarece Ângelo Fernandes, presidente daquela associação. “Muitas pessoas nem sabem que o abuso sexual é um crime público e que têm o dever de o denunciar.”

A Polícia Judiciária colaborou na elaboração do guia. Os ministérios da Educação e da Saúde comprometeram-se a divulgá-lo nas escolas e nos centros de saúde e nos serviços hospitalares, respectivamente. E a Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, nas comissões locais.

“Muitos professores e professoras acham que devem falar com a psicóloga, a CPCJ [Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens], a família, onde muitas vezes está o abusador”, nota. “Às vezes, acham que precisam de mais provas. Não cabe a quem trabalha com crianças investigar crimes, cabe fazer a denúncia e deixar a Polícia Judiciária fazer a investigação.”

Fundamental, salienta ainda, é “não responsabilizar as crianças”. “Não se deve nunca, mas nunca, responsabilizar a criança. Não cabe à criança identificar o agressor, gritar, espernear, dizer que não. Responsabilizar a criança só aumenta o sentimento de culpa, o impacto traumático.”

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