Eleições na Sérvia

Esta foi a ideia mais forte destas eleições: um presidente omnipresente que decidiu, marcou e participou numas eleições das quais foi a principal figura.

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Imaginemos um país em que a principal figura do maior partido político é o Presidente da nação. Que esse Presidente, enquanto tal, surge abundantemente e diariamente na comunicação social, em especial na televisão. Que esse Presidente convoca eleições parlamentares antecipadas e, ao mesmo tempo, não sendo, nestas eleições, candidato a nada, é a principal figura da campanha do seu partido, o qual, inclusive, coloca, como nome da lista, o próprio nome do Presidente da nação e surge nos cartazes, outdoors e material de campanha ao lado dos candidatos do seu partido.

Esse país é a Sérvia, presidido Aleksandar Vučić, e o maior partido político do país, o SNS (Serbian Progressive Party), usou como designação para sua coligação o nome do Presidente, “Aleksandar Vučić — Serbia Must Not Stop” – “a Sérvia não pode parar”.

Esta foi a ideia mais forte destas eleições: um presidente omnipresente que decidiu, marcou e participou numas eleições das quais foi a principal figura, quer na campanha, quer nos órgãos de comunicação social, em que surgia como o líder da nação. Estes dois papéis, que numa eleição deveriam ser objeto de clara separação, foram misturados e usados.

Num quadro em que o Presidente da República é o chefe de Estado e o primeiro-ministro é o líder do poder executivo, sendo o poder legislativo exercido em conjunto entre governo e Assembleia Nacional, tivemos, no passado dia 17 de dezembro, 6,5 milhões de sérvios chamados às urnas em novas eleições legislativas antecipadas convocadas pelo seu Presidente e às quais concorreram 18 forças políticas.

Este ato eleitoral, que ocorreu simultaneamente à eleição em vários municípios, de que se destaca a capital, Belgrado, foram as terceiras eleições legislativas em quatro anos, tendo a sua convocação, pelo Presidente, Aleksandar Vučić, ocorrido a 1 de novembro, e, uma vez mais, de forma antecipada.

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Cartaz eleitoral em Belgrado DR

Estas eleições tiveram a presença de cerca de 360 observadores de 45 países, compostos por 254 peritos destacados pelo ODIHR (Office for Democratic Institutions and Human Rights), e observadores a longo e curto prazo, dos quais 71 da Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e ainda da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Parlamento Europeu. A cada um coube, de uma forma previamente determinada, a integração numa equipa que visitou e acompanhou o trabalho em várias mesas de voto geograficamente dispersas. Simultaneamente, a quase totalidade das mesas de voto que visitei eram acompanhadas por observadores independentes de organizações não governamentais cuja presença é de sublinhar.

Para a máquina eleitoral da Sérvia, sublinha-se a capacidade de organização para, em pouco tempo, colocar em funcionamento um dia eleitoral complexo que, salvo algumas deficiências resultantes de aspetos logísticos, resultou genericamente bem, de forma ordeira e tecnicamente sem falhas de maior. Não se registaram, igualmente, e de forma visível, incidentes quer no ato eleitoral, quer na própria campanha.

É ainda de referir que, não tendo sido objeto de missão de observação, as eleições municipais — que, repito, não se realizaram em todos os municípios — poderão não ter sido imunes à transferência, nos últimos meses, de muitos eleitores de locais de voto em municípios diferentes. Eventualmente merecerá uma atenção especial o caso da capital, Belgrado.

Esta situação, que, repito, não fez parte da missão de observação, gerou alguma perplexidade que, nos dias de hoje, tem tido repercussão pública sobre o efeito que terá tido, nomeadamente, para os resultados daquele município.

O Presidente, Aleksandar Vučić, que foi reeleito para um segundo mandato há cerca de um ano e meio, manifestou claramente a sua vontade de ter uma posição politicamente reforçada e, numa comunicação aos sérvios após o anúncio destas eleições, afirmou que os tempos são “difíceis para o mundo inteiro” e que a unidade é necessária “para a preservação dos interesses nacionais”.

Finalmente, é de sublinhar o sentimento de descrédito no sistema político sérvio pelo facto de os mandatos não serem cumpridos até ao seu termo.

Como referia antes, foram as terceiras eleições legislativas em quatro anos, algo de que muitos sérvios mostraram incompreensão.

Jorge Seguro Sanches é membro da Delegação Portuguesa à Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e membro da Missão de Observação Eleitoral às Eleições Parlamentares antecipadas na Sérvia de 2023

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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