Contaminado por coisa importantes

O estranho tinha passado o dia à procura de uma tal de Celeste que vivera na serra antes da Revolução, uma mulher imponente, mais ampla do que uma bíblia, mais ambígua do que um poema.

Ouça este artigo
00:00
01:52

Metia mais um copo na boca e mais outro e mais outro e mais outro, desdenhando os que não bebiam tanto, os outros, e especialmente os que são mais outros, os estrangeiros: conhecia, dizia o Urso, gregos e americanos, homens enormes, gigantes, com um corpanzil de meter medo, que quando chegavam ali eram derrotados em pouco tempo, um copinho de medronho servido umas vezes e era vê-los ir ao tapete. Nas tascas e nos lagares, à medida que o Urso lia mais frases do tal livro do tal filósofo que até sabia o sentido da vida, as suas conversas iam sendo contaminadas pelos termos incompreensíveis que lia, palavras em latim, em árabe, em grego, em chinês, em hebraico, todas incompatíveis com o medronho, palavras que tornavam tudo longe como um terreno fora do alcance da vista. E quem o ouvia, a partir de certo número de medronhos emborcados, afastavam-se, sentiam estar a ser contaminados por coisas importantes. É insuportável estar perto de assuntos sérios. A existir, o sentido da vida não era para ser lido, compreendido ou racionalizado, era para ser bebido. Com frequência e em quantidade.

Os leitores são a força e a vida do jornal

O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação que estabelece com os seus leitores.Para continuar a ler este artigo assine o PÚBLICO.Ligue - nos através do 808 200 095 ou envie-nos um email para assinaturas.online@publico.pt.
Sugerir correcção
Comentar