A regular é que nos entendemos

A Entidade Reguladora da Saúde é um pilar do sistema e apenas peca por defeito. Sei que provavelmente me vou arrepender desta declaração e não deixarei de ter razões de queixa da sua atuação.

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É habitual a crítica aos reguladores, mas dou por certo que a Entidade Reguladora da Saúde é um pilar do sistema e apenas peca por defeito. Sei que provavelmente me vou arrepender desta declaração e não deixarei de ter razões de queixa da sua atuação e funcionamento. No entanto, a verdade que importa e que perdura é que a Entidade Reguladora tem um papel único e dela depende a confiança dos cidadãos no sistema, a sustentabilidade dos operadores e a existência de condições para o investimento continuado e a melhoria da prestação e da eficiência em benefício dos doentes.

Com esta convicção, os prestadores estruturados e com visão não temem a regulação, apenas defendem que actue e o faça de forma abrangente, focada no que é realmente importante.

Quando passam 20 anos desde a sua criação, não se trata de uma espécie de endeusamento da ERS nem uma confiança cega no seu desempenho. É apenas uma chamada de atenção às suas responsabilidades e competências.

As atribuições da ERS são bem conhecidas mas recordemos que, por lei, lhe compete a supervisão da atividade e do funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, no que diz respeito:

  • a) ao cumprimento dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento, incluindo o licenciamento;
  • b) à garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde e prestação de cuidados de saúde de qualidade;
  • c) à legalidade e transparência das relações económicas entre os diversos operadores, entidades financiadoras e utentes.

Por altura da celebração dos seus 20 anos, vale a pena notar que no Decreto-lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, se justificava que, “mantendo o Estado, sobretudo nos serviços públicos, um papel muitas vezes decisivo como operador, então tudo justifica que o papel como regulador e como operador não se confundam, já que o regulador deve regular não somente os operadores sociais ou privados mas também os operadores públicos”.

Sem o rigor do juridiquês, a ERS é valiosa para os cidadãos porque está acima dos prestadores do setor público, do setor privado e do setor social, e espera-se que com a sua atuação o sistema funcione melhor e de forma sustentável, garantindo qualidade e segurança.

Esperamos assim que, fiel ao seu mandato, a ERS não se consuma apenas no cumprimento de questões administrativas e menos ainda no afã da “cata à desconformidade” dos regulados e envide os melhores esforços para ser reconhecida como fundamental ao bom funcionamento do sistema. Atuar sobre todos e acautelar a justeza das relações económicas são os objetivos específicos.

Diria que há sete trabalhos para o cumprimento da missão da ERS:

  1. Eliminar a muito breve prazo a discriminação que faz com que apenas os prestadores privados sejam sujeitos a licenciamento. Estando sujeitos à regulação da ERS todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do setor público, privado, cooperativo e social, não se entender a discriminação;​
  2. Alargar a regulação a “novas” formas de prestação, como sejam a telemedicina ou os cuidados domiciliários;
  3. Reforçar a atenção sobre a publicidade para evitar “gato por lebre”, distinguindo atividades e entidades reguladas de outras que apenas se aproveitam do epíteto de “saúde” para promoção comercial;
  4. Retomar o SINAS, ou um seu sucedâneo, enquanto sistema de avaliação dos prestadores de saúde, urgente para que os cidadãos tenham informação fidedigna sobre o nível de excelência dos cuidados de cada serviço de cada prestador;
  5. Identificar e publicar padrões de qualidade e níveis de serviço que possam ser escrutinados e avaliados pelos cidadãos (“gatekeeper cost and outcomes effectiveness”), como condição necessária para a concorrência, mas também para a eficiência da alocação dos fundos públicos;
  6. Emitir recomendações no que respeita às relações entre o SNS ou subsistemas públicos de saúde e os prestadores de cuidados de saúde;
  7. Instituir um conselho tarifário que dê fundamento e racional aos preços regulados e pugne pela sua atualização, para que não haja quebra da oferta nem abuso da posição dominante.

Em duas palavras, o múnus da ERS deve ser acesso e informação. A ERS deve ser a guardiã das regras de funcionamento do sistema para garantia do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, ao mesmo tempo que tem uma responsabilidade única e alienável sobre a informação relativa aos ganhos em saúde, eficiência das instituições e normas da sua relação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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