Ladrões de felicidade

Tudo parecia conspirar contra si, a própria vida entrava-lhe pela janela de qualquer esperança que pudesse brotar-lhe no espírito e, como um ladrão, roubava-lhe o mais modesto fiozinho de alegria.

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O Urso vivia entre copos, que eram uma espécie de relógio, sabia que o décimo copo badalava as onze da manhã, que o décimo terceiro anunciava a hora de almoço, etc. Mas o Urso tinha agora uma outra dedicação, o livro que todos os dias lhe dizia — gritava — ser um estúpido sem remédio, um bruto. Pior, pois o Urso não era como o Moisés, que lia com entusiasmo, que seria feito dele?, nem era como outros habitantes de tascas e lagares, que nem sequer sabiam ler, mas que depois de beberem uns copos de medronho, ocasionalmente e milagrosamente, batiam de frente numa epifania, numa revelação da qual ninguém se lembraria no dia seguinte. De repente, estes bebedores percebiam a vida através da transparência do medronho, que era a sua lente para ver o universo e desvelar todos os mistérios, e de vez em quando, como um descuido, deixavam cair — mesmo no meio de uma taberna qualquer — uma frase, ainda que abrutalhada, sobre a importância da verdade ou do amor, da morte, da tragédia, da solidão, da moral.

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