Militares e académicos unem-se para escrever o primeiro manual militar português

José Azeredo Lopes, antigo ministro da Defesa, está a coordenar a redacção do documento — que define como devem proceder os militares portugueses em contexto militar internacional.

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Plateia da conferência internacional A LOAC Manual for Portugal, no Instituto Universitário Militar Rui Gaudêncio
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Um grupo de militares e académicos portugueses anda entretido com um trabalho: escrever o primeiro manual militar português sobre o direito dos conflitos armados (Manual LOAC) — ou seja, definir como devem proceder os militares portugueses em contexto militar internacional. Fazem-no sob coordenação de José Azeredo Lopes, antigo ministro da Defesa, que estima ter o primeiro rascunho pronto no final do próximo ano. Na quarta-feira, juntaram-se todos no Instituto Universitário Militar, em Lisboa, para debater o assunto.

Em suma, o manual estipulará — à luz da ética, do direito internacional público, do direito internacional humanitário, do direito dos conflitos armados e do direito militar — como devem proceder os combatentes portugueses em situações de guerra. Não se trata de um depositário dos tratados e convenções internacionais que vinculam Portugal, mas de um documento operacional que prevê a materialização da sua letra no contexto de conflito armado.

Que cuidados devem ser tidos quando se seleccionam alvos militares? Pode-se atacar alvos com civis por perto? Como deve proceder um militar que se depare com um rebelde a disparar sobre si utilizando crianças como escudo humano? Eis o tipo de questões a que o manual — que será escrito em português e terá uma tradução para inglês — responderá.

Na conferência de quarta-feira, Azeredo Lopes admitiu que a construção deste manual “não será uma tarefa fácil”, mas que isso não é problema. Assim que esteja terminado, Portugal juntar-se-á a um leque de países como o Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Alemanha ou Espanha — que já têm o seu.

Antes de Azeredo Lopes, o general José Nunes da Fonseca, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), congratulou o Instituto Universitário Militar e a Universidade Católica do Porto — as duas instituições responsáveis pelo trabalho — e afirmou que este manual irá “reflectir a doutrina predominante do Estado português”. Realçou, também, o “diálogo intensivo” entre militares e académicos que a elaboração do documento promove.

Conflitos armados no espaço sideral

No entender de Francisco Pereira Coutinho, professor de direito internacional público na Universidade Nova que interveio na conferência e está a contribuir para a redacção do manual, é “essencial” que os militares portugueses “conheçam estas regras”, que têm o propósito humanitário de “minimizar os danos causados em civis”. “É para isto que o manual serve: para formação dos nossos militares”, explicou por telefone ao PÚBLICO.

Pereira Coutinho dá o exemplo do conflito israelo-palestiniano para realçar a “importância que decorre de pelo menos Israel ter formação nesta área do direito internacional humanitário”. Decisões operacionais como “ataques a um hospital, a um campo de refugiados ou a uma ambulância” requerem que quem as tome “tenha conhecimento profundo das regras aplicáveis no conflito armado”, defende.

Maria Isabel Tavares, professora de direito internacional público na Universidade Católica do Porto, refere-se ao manual militar — para o qual contribui com a ajuda dos estudantes do International Studies Programme desta universidade — como um “projecto ambicioso, mas capacitador das Forças Armadas portuguesas”. Como? Tornando-as mais “profissionais, eficientes” e reforçando a “nossa reputação no exterior”.

Será um manual que reflectirá a “posição de Portugal” e não a opinião dos indivíduos que o escrevem, diz. “Há um certo apagamento de cada um para um objectivo comum”, descreve ao PÚBLICO em conversa telefónica.

Pereira Coutinho alinha-se com Tavares e fala numa “oportunidade” para Portugal “montar posição sobre uma série de assuntos” e “encontrar uma perspectiva coerente sobre estas matérias”. Apesar de “muito influenciados pelos aliados da NATO”, Pereira Coutinho considera importante demonstrar como o país “interpreta” certas “regras e matérias”.

Na conferência de quarta-feira, Pereira Coutinho abordou as regras dos conflitos armados no espaço sideral, ao passo que Maria Isabel Tavares falou de como tratar os combatentes: os que lutam por Portugal e os que lutam do lado oposto.

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