A palavra livre da procuradora

A ousadia de Maria José Fernandes recebeu obviamente a crítica do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, uma participação do director do DCIAP e a abertura de um inquérito pela parte da PGR.

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No dia 19 de Novembro este jornal publicou um artigo de opinião que, não vindo de nenhum político, nem de nenhum líder de opinião, teve o raro condão de abrir noticiários televisivos no dia seguinte. O artigo intitulado “Ministério Público: como chegámos aqui?” foi escrito pela procuradora geral adjunta Maria José Fernandes e nele a autora tecia diversas considerações sobre o funcionamento do Ministério Público (MP), num momento em que este organismo tem sido alvo de apreciação crítica pela forma como decorre o processo Influencer.

No centro das críticas de Maria José Fernandes está a cada vez mais inexistente hierarquia interna no seio de MP e uma sacrossanta ideia de que os magistrados são detentores de uma autonomia individual que os torna imunes a qualquer tipo de coordenação e de instruções por parte das suas chefias. Mesmo quando, como lembra a procuradora, o MP foi concebido como um corpo hierarquizado. É este deslassamento que os torna também cada vez mais distantes de qualquer julgamento, mesmo quando manifestamente cometem erros ou abusos na sua actuação.

Uma apreciação muito pouco corporativa, num sector imensamente corporativo que tem essa bizarria de ter um sindicato que se alcandora em porta-voz de magistrados enquanto decorrem processos e que se tornou o mais fervoroso defensor da total autonomia dos magistrados. Essa defesa foi ao ponto de tentar impugnar judicialmente uma directiva da actual procuradora-geral da República que determinava que a hierarquia pode intervir nos processos “modificando ou revogando decisões anteriores”. Foi em 2020 e a Justiça ainda não decidiu se afinal a procuradora-geral tem o direito de dar instruções aos seus subordinados ou não.

A ousadia de Maria José Fernandes recebeu obviamente a crítica do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, uma participação do director do DCIAP e a abertura de um inquérito pela parte da PGR. Uma reacção corporativa, a que se juntaram algumas vozes dos media que, num curioso entendimento da liberdade de expressão, chegaram a considerar que o melhor era a procuradora ter guardado as suas opiniões para os órgãos internos...

Um dia, quando olharmos para trás e nos perguntarmos como, de uma forma geral, “chegámos aqui”, veremos que aqueles que apostam em hiperbolizar as falhas da democracia e dos seus actores para desacreditar o sistema andaram às cavalitas de quem acha que não há nada para criticar na forma como o MP tem agido, só para aplaudir cegamente. São aqueles que não gostaram da palavra livre da procuradora adjunta.

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